Órfãos de Papa (2)
Pode não parecer acertado dizer que agora todos falam mal da igreja católica porque ela está em baixo, quando vemos nas TV talvez um dos espectáculos mais mediáticos de sempre, prova da força da instituição. Mas chego a pensar se o enterro do Papa não é o próprio enterro desta igreja.
Nos últimos anos tenho visto muitos católicos incomodados com o estado da saúde física, e talvez mental, deste Papa. Algumas não o reconheciam já como Papa, mas como um velho decrépito que teimava em arrastar-se na cadeira do poder. Esta atitude sempre me deixou mal impressionado, apesar de não ser católico. Choca-me muitos “católicos” darem mais importância aos critérios estéticos do que aos éticos, mas na verdade não é algo que me diga respeito, a não ser como observador.
A tenacidade do Papa, ao invés de ser vista com mera teimosia, aos pouco foi sendo reconhecida como um exemplo de vida. A igreja católica, tantas vezes acusada de se ter afastado da vida simples e desapegada de Cristo, parecia ter as suas maiores autoridades condenadas a um fausto contemplativo, que acenava às multidões mas com elas não se misturava. A decrepitude, o sofrimento e as imensas dificuldades que o Papa mostrou nos seus últimos anos mudaram por completo esta imagem.
Já não é a complexa hierarquia da igreja, já não são os séculos de história, já não é a imponência dos edifícios do Vaticano, é a imagem real de uma pessoa que sofre, que é igual a todos nós. Imaginemos que o Papa teria renunciado ao cargo há alguns anos atrás, como muitos queriam. Tudo aquilo que agora assistimos não era possível. A notícia da morte do antigo Papa teria um impacto incomparavelmente menor. Não digo que tudo o que assistimos é apenas uma jogada de marketing, que fez da morte um espectáculo. A minha intuição diz-me apenas que foi a decisão que um homem idoso e em sofrimento tomou por sentir que era a correcta.
(Cont.)
MC
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