quinta-feira, janeiro 18, 2007

Aborto e Referendo (III)

Fui à procura da pergunta do último referendo, pensando ser substancialmente diferente da actual, mas descobri que, com a diferença de uma vírgula que não altera nada de importante, trata-se da mesma questão:

"Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas 10 primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?"

Contudo, o fulcro da discussão civilizada tem sido bastante diferente desta vez. As diferenças estarão, portanto, na alteração das consciências. Penso que o nível do debate baixou consideravelmente pelas seguintes razões:

- O aborto é cada vez mais visto como algo normal e quase sem carga negativa. Note-se que isto não tem nada a ver com uma tomada de posição a favor ou contra a despenalização da IVG. É perfeitamente possível ser a favor da despenalização da IVG, mas nem por isso deixar de considerar o aborto algo horrível.

- No debate actual praticamente anulou-se o binómio liberdade / responsabilidade. Enganam-se aqueles que dizem que não se pode ter liberdade sem responsabilidade, pelos vistos. Quando os argumentos sobre a responsabilidade dos pais na geração de um novo ser são liminarmente rejeitados face ao valor da liberdade da mulher, então coloca-se ao mesmo nível uma gravidez resultante de uma violação e uma gravidez normal.

- A banalização do aborto é levada ao extremo quando deixa de ser uma ilegalidade e passa a ser um acto subsidiado. Quando algumas pessoas começaram a interrogar-se se uma das consequências da vitória do “Sim” não seria a subsidiação estatal do aborto, foram logo acusadas de demagogia (mesmo quando à partida possam ter mostrado uma posição completamente favorável à despenalização da IGV) e de estarem a levantar um assunto que não estava em causa no referendo. Passadas poucas semanas, o assunto “que não estava em cima da mesa” já foi contabilizado pelo ministro da saúde em vários milhões de euros.

Este último exemplo mostra até que ponto a liberdade e a democracia são coisas frágeis e as medidas mais aberrantes são postas como inevitabilidades, com uma fraca contestação em relação aos apoios que recebem. Aqueles que insultaram quem se atreveu a levantar a dúvida sobre a subsidiação do aborto, num repente tornaram-se nos seus maiores apoiantes. Há aqui a coerência do socialismo totalitário, que acha que tudo o que deixa de ser proibido passa a ser obrigatoriamente subsidiado.

(Cont.)
MC
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