quinta-feira, janeiro 18, 2007

Aborto e Referendo (II)

É curioso que já ninguém se lembra do último referendo sobre o aborto. É arriscado discorrer sobre algo já passado há alguns anos, quando a memória é hábil em nos pregar partidas. Contudo, com alguma segurança posso avançar algumas considerações. Recordo logo que no último referendo ninguém falava em aborto mas sim em Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG). Este descritivo alongado foi depois parodiado para “interrupção voluntária do pensamento” para descrever a atitude de boa parte da esquerda em relação a quase tudo. O pudor em falar em “aborto” era uma atitude geral, mas mais importante que isso era a necessidade que todos tinham em evidenciar que a IVG era uma coisa horrível. A postura de defender a soberania da mulher em relação ao próprio corpo era minoritária e sobretudo defendida pelos simpatizantes do Bloco de Esquerda (curiosamente, Francisco Louçã era a favor do referendo quando existia uma maioria de “direita” no parlamento e contra quando a maioria está à esquerda).

Quem defendia a despenalização da IVG argumentava que essa era a forma mais eficaz de diminuir o número de abortos e também a única maneira de resolver o problema de saúde pública que é o aborto clandestino. Perante isto, partidários de ambos os lados chegaram, por várias vezes, em declarar uma firme intenção em trabalhar em prol da diminuição dos abortos, na ajuda a mães solteiras, na educação sexual, facilitar a adopção, etc., qualquer que fosse o resultado do referendo. Na altura ainda era jovem e, de forma ingénua, acreditei. Os anos passaram e nada do que foi prometido foi realizado. Aprendi assim que os seres humanos gostam de uma boa discussão pela própria discussão em si, pela excitação de estar num lado da barricada e terem uns sujeitos para insultar no outro lado, e os argumentos que utilizam visam apenas ganhar alguma vantagem imediata. Pior que isso, o ser humano tem a terrível característica, só contrariada por muito poucos, de entrar num processo de irracionalidade, mentira e golpes baixos mas ainda assim manter a profunda convicção que está a agir de forma exemplar. Terminada a “batalha”, os indivíduos não se lembram de nada do que prometeram, apenas recordam a postura execrável dos partidários do outro lado e esperam ansiosamente pelo próximo confronto.
MC
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