terça-feira, junho 21, 2005

O galo europeu

Uma das consequências do 11 de Setembro foi a criação artificial de uma clivagem entre a Europa e os EUA. Falo artificial porque foi movida essencialmente por uma intelectualidade esquerdista, apoiada numa comunicação social pouco rigorosa e propagandista, apadrinhada ainda por políticos fracos, tanto de partidos de governo como oposicionistas (no que se refere à Europa).

Contudo, os povos americanos e europeus não tinham em si motivos para manter o conflito. Possuem muitas afinidades, europeus e americanos trabalham juntos em muitas coisas, os europeus continuam ver filmes americanos e a beber coca cola, e os americanos ainda olham com um encanto nostálgico para a Europa. A reeleição de Bush e a acalmia do conflito no Iraque fizeram esfumar a clivagem. Ao contrário do que muitos previram, um segundo mandato de Bush seria sempre causador de um maior apaziguamento nas relações Europa-América do que a eventual eleição de Kerry.

A razão é simples. Kerry, bem como os democratas, têm uma imagem interna de alguma debilidade em questões que têm a ver com segurança. Uma administração democrata iria ter a tentação de engrossar a voz em relação aos europeus para mostrar força, mas em relação a Bush já não havia nada a provar. A segunda administração Bush, com o trabalho “sujo” já efectuado no primeiro mandato, pode agora apostar nas relações públicas, fazer umas fotos de família com os europeus e serem todos amigos outra vez.

Contudo, o que me motivou a escrever este post foi um outro assunto relacionado. O 11 de Setembro despertou na Europa bem pensante um sentimento de superioridade moral em relação aos EUA. A megalomania europeia extravasou e passou a achar que a Europa era superior em tudo, inclusivamente em áreas em que o atraso europeu é gritante. Para justificar este paradoxo, a intelectualidade falava nos modelos e na superioridade do europeu. Assim, mesmo que os EUA parecessem na situação actual mais avançados em algumas áreas, o seu modelo sofreria de falhas que o fariam entrar em colapso em breve e a Europa sairia rainha e senhora. Para provar tudo isto, davam-se uns exemplos avulso de debilidades que os EUA realmente têm, misturadas com uma série de dados falsos que foram engolidos com a maior das facilidades por um auditório crente.

Contudo, passado pouco tempo, o que começou a ser evidente foram as debilidades do modelo europeu. Uma pretensa união entre os europeus aquando dos momentos de maior clivagem com os EUA mostra agora ter sido artificial. Políticos sem chama apresentaram um tratado constitucional como um dado adquirido. Mas os europeus não sentem qualquer identificação continental, preocupam-se todos apenas consigo mesmos. É curioso ter sido precisamente o modelo social europeu o responsável por se ter chegado a esta situação de egoísmo extremo. Se a criação do modelo social pode ter-se devido a razões altruístas, a sua manutenção no estado actual deve-se a motivos bem mais obscuros. Solidariedade é apenas uma palavras que aqueles que se habituaram ao parasitismo usam como chantagem.

De forma simplista, alguns admitem agora que a Europa está em crise baseados apenas na rejeição do tratado constitucional pela França e pela Holanda e pelas dificuldades em aprovar o orçamento comunitário. Como se isto não fossem apenas os sintomas de uma doença terminal. Claro que a simples rejeição do tratado em referendo não é, só por si, boa ou má. Mas o contexto em que tudo aconteceu, a chantagem que havia meses pairava no ar, com ameaças de expulsão de países em caso de rejeição do tratado e depois a forma emocional, meio histérica como foram recebidas as rejeições mostram uma debilidade gritante.

Ao mesmo tempo, começam a acentuar-se clivagens internas em relação aos dinheiros. Os países pequenos berram todos a querer mais e mais, porque já se habituaram ou porque outros já tiveram os mesmos benefícios. Aquela tirada do Sócrates, onde interrompeu o chanceler alemão para dizer algo como “a atenção que a Alemanha terá para a situação portuguesa é a mesma que Portugal terá para a situação alemã” é de um ridículo atroz. Pensou Sócrates que assim colocava a Alemanha entre a espada e a parede? Com que argumentos? Que tem Portugal para dar à Alemanha? Quanto já deu a Alemanha a Portugal? E obviamente que enquanto existir uma PAC assim haverão justificações para existirem todos os “cheques britânicos”.

Acima de tudo, muitos já se aperceberam que o modelo social é perverso. Os países grandes não o podem dizer, para não serem acusados de falta de solidariedade. Ao mesmo tempo, bloqueiam decisões que possibilitariam países pequenos de ser mais competitivos. E os países pequenos salivam na ânsia de obter dinheiro fácil e também não querem arregaçar mangas. E para tudo isto, o único consenso é o do proteccionismo. Quem iria dizer que o modelo salazarista do “orgulhosamente sós” iria ter um sucesso continental?
Adenda:
Entretanto, fiquei a saber que todos os países da EU, excepto Portugal, aumentaram as emissões de CO2 em 2003. Depois de criticarem tanto os EUA por não aderirem ao Protocolo de Kyoto, esta é uma evidência da hipocrisia europeia. O facto de Portugal ter diminuído as suas emissões penso justificar-se com o aumento do preço do petróleo e com a nossa maior pobreza em relação aos restantes países da EU (na altura apenas 15) e não com algum aumento de consciência ecológica que, como sabemos, é muito escassa por terras lusas.
MC
|