terça-feira, maio 17, 2005

Consensos e assobios para o lado


Um conjunto de empresários dos têxteis ameaça processar a comissão europeia. Basta ler o título da notícia para saber logo do conteúdo. Os empresários exigem a continuação da concorrência desleal que têm feito nas últimas décadas. O ministro da economia, reunido com estes patriotas que têm salvaguardado a manutenção do trabalho escravo no nosso país, mostrou-se ainda mais preocupado e fará tudo por tudo para fechar a torneira. Todos os partidos, uns mais, outros menos, defendem também as famosas cláusulas de salvaguarda (tentam salvaguardar o quê? A mediocridade lusa?) Só não defendem o bloqueio total porque a China faria o mesmo e todos ficaríamos a perder.

Depois do consenso anti-Bush, a Europa criou outro consenso contra as importações chinesas. Governos, oposições, patrões, sindicatos, intelectuais, o cidadão comum, todos concordam que as importações chinesas são um mal a evitar. O curioso é que, apesar de todos quererem fazer parte do consenso, na prática furam-no. Está na mão de cada europeu promover diariamente a qualidade de vida do seu continente, repudiando os produtos chineses. Procuremos as etiquetas “Made in China” e deixemo-las na prateleira. A maior parte dos casos são mais complicados, o produto final tem várias proveniências. Que se criem associações que façam listas a denunciar produtos com componentes chineses. Uma tal tarefa é meritória deve ser apoiada pelo Estado, não? Trata-se de serviço público.

Não o fazemos por várias razões. Os produtos chineses não se têm imposto devido a esquemas travessos. O sucesso crescente deve-se a terem adaptado-se às condições do nosso mercado, que é apenas outra forma de dizer que estão de acordo com aquilo que nós queremos ou, ainda, que são melhores para nós. Aparecem, então, outro tipo de desculpas para deter a “invasão” chinesa. Invoca-se o “dumping” social, as péssimas condições de vida dos trabalhadores chineses. É curioso o argumento moralista só ter aparecido agora. Porque não aplicá-lo retroactivamente? Se não é possível, que o mesmo critério seja também válido para outros.

O primeiro pensamento foi logo de boicotar também os têxteis portugueses. Durante décadas deram-nos o triste espectáculo do trabalho infantil e semi-esravo. E depois, o petróleo, porque vamos lá ver de onde ele vem: Ditaduras da médio-oriente, mafiosos russos, pistoleiros do Texas, comunas da Venezuela. Safa-se a Noruega, vamos só consumir petróleo da Noruega. Depois, tudo o que é espanhol também tem de acabar, porque não me esqueço quando eles invadiram Portugal. E os ingleses também não se safam por causa o ultimato. Nem os franceses, porque também nos invadiram e roubaram as obras de arte. E podia prosseguir...

Não diria que todos os consensos são maus. A abertura chinesa poderia ser um motivo para um outro tipo de consenso mais saudável. De percebermos que estamos num caminho apático, sem futuro e precisamos de mudar a agulha para sobreviver ao futuro. Não é a China a ameaça, mas nós mesmos. Reagimos de forma crispada, medrosa. Quando se torna evidente que nos devíamos abrir, a tendência é fecharmo-nos a sete chaves. A única coisa que nos safa é o egoísmo, que nos leva a romper com o consenso.

MC

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