O rei está com frio (2)
Não sei se o ministro das finanças admitiu a falência da segurança social por sua conta e risco ou se foi uma acção consertada dentro do governo. É bom que tenha sido a segunda hipótese. Imagino que os “marketeiros” do PS tenham colocado a situação a Sócrates da seguinte forma metafórica:
«Imagine que o seu doente sofre de uma doença grave e que precisa de ser operado com alguma urgência. Contudo, este paciente tem um pavor de operações tal que, se lhe revelar o diagnóstico por inteiro, é bem provável que ele vá atrás de outro "médico" ou pior, algum curandeiro ou mestre Bambo. Por isso, inicialmente diga que há um problema mas mostre-se confiante na recuperação à base de uns paliativos ligeiros. Quando o doente se aperceber que, afinal, as suas mezinhas não estão a dar resultado, aí sim tem de lhe falar da operação como a única alternativa.»
«Mas porque razão não posso dizer logo a verdade?», riposta Sócrates.
«Para não perder a credibilidade!» Diz o marketeiro chefe.
«Mas como é possível ser credível mentindo?», replica Sócrates.
«Porque você não quer ser credível.» Continua o marketeiro. «Você quer parecer credível, o que é muito diferente. Lembre-se que parecer credível é dizer aquilo que parece verdade. Há uns anos atrás o seu paciente, na altura com outro "doutor", tinha um ar mais saudável. Você parecia credível porque afirmava que não havia doença alguma. Não pode agora mudar de opinião tão rapidamente.»
«Mas sabe», prossegue Sócrates, «às vezes parece-me mais fácil dizer a verdade ao povo, em geral pouco instruído, do que aos que me estão mais próximos, dentro no PS.»
«Evidentemente.» Continua o marketeiro. «O povo engana-se mas não é casmurro. O perigo são os intelectuais. Daí a nossa jogada nas presidências ter sido brilhante.»
«Acha mesmo que vai dar certo?», questiona Sócrates com um esgar de gozo.
«Não duvido nem por um minuto. Os seus maiores inimigos estão no PS. Qual era o seu melhor homem para a presidência?»
«Cavaco Silva…» Responde Sócrates envergonhado. «Temos visões políticas quase idênticas.»
«Mas não o podia apoiar explicitamente…»
«Nem pensar!»
«Porque o povo e, sobretudo os intelectuais, pensam que se trata de um candidato de direita e que você é de esquerda. Ninguém quer saber de comparações entre medidas concretas. Mas tem de admitir que a minha jogada foi genial.»
«Admito.»
«Tinha 3 objectivos. Eleger Cavaco, silenciar a ala esquerda do PS, representada por Manuel Alegre e abafar esse reizinho que é o nosso pai fundador. E tinha de fazer tudo isto dando a entender que o seu objectivo era exactamente o oposto.»
«Mal consigo conter o riso quando enceno esse teatro face aos media amestrados.»
«Não podendo apoiar directamente Cavaco Silva, a única forma de o eleger seria avançar com um candidato fraco.»
«Ou com dois…»
«Melhor, com dois que se anulam. Dar apoio implícito a Manuel Alegre e depois o apoio oficial a Mário Soares foi genial.»
«Confesso que de início não entendi onde queria chegar com essa manobra.»
«Repare que Mário Soares, na sua vaidade infinita, nunca conseguiria resistir a uma nova oportunidade de voltar a sentar-se na cadeira presidencial. A sua arrogância não lhe permitiria nunca perceber que se tratava de um mero peão a ser sacrificado e que já ninguém lhe reconheceria capacidades para voltar a exercer o cargo.»
«E Manuel Alegre?»
«Se o PS o apoiasse oficialmente haveria o risco de ser o próximo presidente. Mas seria uma provável fonte de bloqueio, tem convicções fortes. Já Soares pode-se enganar como um tolinho. Manuel Alegre é um segundo peão voluntário. O seu orgulho ferido leva-o a pedir meças com o PS. O seu objectivo é mostrar que consegue mais votos que o candidato oficial do PS. Para ele será uma bofetada de luva branca.»
«E como será a convivência com Cavaco Silva?»
«A melhor possível. Você irá logo dar o primeiro passo metendo o rabinho entre as pernas na noite das eleições. Irá dizer que Portugal precisa de todos, independentemente do quadrante político. Que espera que o novo presidente seja colaborante mas não uma força de bloqueio. Que ouvirá as suas sugestões mas não se afastará do seu programa de governo.»
«Como se alguém soubesse qual é o programa de governo…cof, cof.»
«E Cavaco Silva fará o discurso complementar do seu, como se tivessem sido escritos em conjunto. Dirá que nos tempos que correm um presidente tem de ser interventivo. Mas que essa intervenção será feita no estrito cumprimento dos preceitos constitucionais e sem pôr em causa a estabilidade política.»
«Mas a governação não será dificultada por Cavaco Silva?»
«Pelo contrário, irá ser facilitada. Você terá todas as vantagens em colar-se a Cavaco Silva sempre que possível. Isso irá dar pouca margem de manobra à oposição à direita. Por outro lado, os sindicatos, as grandes forças de bloqueio, ficarão ainda mais isolados.»
«Mas não será demasiada proximidade com um presidente de uma força contrária?»
«Sr. Primeiro Ministro, lembre-se que o importante é o que parece e não aquilo que é. Há sempre grande margem de manobra para fazer de conta que existem divergências de fundo. Qualquer lei que Cavaco Silva envie para o Tribunal Constitucional, para ser verificada, será utilizada pelo seu governo para vitimização. Aliás, sugiro que comecemos já a preparar alguns projectos de lei absurdos para serem rejeitados propositadamente.»
«Imagine que o seu doente sofre de uma doença grave e que precisa de ser operado com alguma urgência. Contudo, este paciente tem um pavor de operações tal que, se lhe revelar o diagnóstico por inteiro, é bem provável que ele vá atrás de outro "médico" ou pior, algum curandeiro ou mestre Bambo. Por isso, inicialmente diga que há um problema mas mostre-se confiante na recuperação à base de uns paliativos ligeiros. Quando o doente se aperceber que, afinal, as suas mezinhas não estão a dar resultado, aí sim tem de lhe falar da operação como a única alternativa.»
«Mas porque razão não posso dizer logo a verdade?», riposta Sócrates.
«Para não perder a credibilidade!» Diz o marketeiro chefe.
«Mas como é possível ser credível mentindo?», replica Sócrates.
«Porque você não quer ser credível.» Continua o marketeiro. «Você quer parecer credível, o que é muito diferente. Lembre-se que parecer credível é dizer aquilo que parece verdade. Há uns anos atrás o seu paciente, na altura com outro "doutor", tinha um ar mais saudável. Você parecia credível porque afirmava que não havia doença alguma. Não pode agora mudar de opinião tão rapidamente.»
«Mas sabe», prossegue Sócrates, «às vezes parece-me mais fácil dizer a verdade ao povo, em geral pouco instruído, do que aos que me estão mais próximos, dentro no PS.»
«Evidentemente.» Continua o marketeiro. «O povo engana-se mas não é casmurro. O perigo são os intelectuais. Daí a nossa jogada nas presidências ter sido brilhante.»
«Acha mesmo que vai dar certo?», questiona Sócrates com um esgar de gozo.
«Não duvido nem por um minuto. Os seus maiores inimigos estão no PS. Qual era o seu melhor homem para a presidência?»
«Cavaco Silva…» Responde Sócrates envergonhado. «Temos visões políticas quase idênticas.»
«Mas não o podia apoiar explicitamente…»
«Nem pensar!»
«Porque o povo e, sobretudo os intelectuais, pensam que se trata de um candidato de direita e que você é de esquerda. Ninguém quer saber de comparações entre medidas concretas. Mas tem de admitir que a minha jogada foi genial.»
«Admito.»
«Tinha 3 objectivos. Eleger Cavaco, silenciar a ala esquerda do PS, representada por Manuel Alegre e abafar esse reizinho que é o nosso pai fundador. E tinha de fazer tudo isto dando a entender que o seu objectivo era exactamente o oposto.»
«Mal consigo conter o riso quando enceno esse teatro face aos media amestrados.»
«Não podendo apoiar directamente Cavaco Silva, a única forma de o eleger seria avançar com um candidato fraco.»
«Ou com dois…»
«Melhor, com dois que se anulam. Dar apoio implícito a Manuel Alegre e depois o apoio oficial a Mário Soares foi genial.»
«Confesso que de início não entendi onde queria chegar com essa manobra.»
«Repare que Mário Soares, na sua vaidade infinita, nunca conseguiria resistir a uma nova oportunidade de voltar a sentar-se na cadeira presidencial. A sua arrogância não lhe permitiria nunca perceber que se tratava de um mero peão a ser sacrificado e que já ninguém lhe reconheceria capacidades para voltar a exercer o cargo.»
«E Manuel Alegre?»
«Se o PS o apoiasse oficialmente haveria o risco de ser o próximo presidente. Mas seria uma provável fonte de bloqueio, tem convicções fortes. Já Soares pode-se enganar como um tolinho. Manuel Alegre é um segundo peão voluntário. O seu orgulho ferido leva-o a pedir meças com o PS. O seu objectivo é mostrar que consegue mais votos que o candidato oficial do PS. Para ele será uma bofetada de luva branca.»
«E como será a convivência com Cavaco Silva?»
«A melhor possível. Você irá logo dar o primeiro passo metendo o rabinho entre as pernas na noite das eleições. Irá dizer que Portugal precisa de todos, independentemente do quadrante político. Que espera que o novo presidente seja colaborante mas não uma força de bloqueio. Que ouvirá as suas sugestões mas não se afastará do seu programa de governo.»
«Como se alguém soubesse qual é o programa de governo…cof, cof.»
«E Cavaco Silva fará o discurso complementar do seu, como se tivessem sido escritos em conjunto. Dirá que nos tempos que correm um presidente tem de ser interventivo. Mas que essa intervenção será feita no estrito cumprimento dos preceitos constitucionais e sem pôr em causa a estabilidade política.»
«Mas a governação não será dificultada por Cavaco Silva?»
«Pelo contrário, irá ser facilitada. Você terá todas as vantagens em colar-se a Cavaco Silva sempre que possível. Isso irá dar pouca margem de manobra à oposição à direita. Por outro lado, os sindicatos, as grandes forças de bloqueio, ficarão ainda mais isolados.»
«Mas não será demasiada proximidade com um presidente de uma força contrária?»
«Sr. Primeiro Ministro, lembre-se que o importante é o que parece e não aquilo que é. Há sempre grande margem de manobra para fazer de conta que existem divergências de fundo. Qualquer lei que Cavaco Silva envie para o Tribunal Constitucional, para ser verificada, será utilizada pelo seu governo para vitimização. Aliás, sugiro que comecemos já a preparar alguns projectos de lei absurdos para serem rejeitados propositadamente.»
«Vamos a isso!»
MC
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