segunda-feira, setembro 19, 2005

A galinha dos ovos de ouro dos autarcas

A campanha para as eleições autárquicas tem sido morna e nem mesmo a falta de vergonha na cara de Manuel Maria Carrilho a tem animado. Não têm surgido vozes com projecção nacional que tenham conseguido explicar a necessidade de fazer uma reforma do poder local. Ou reformas, para ser mais preciso. Há quem fale do excessivo número de municípios e freguesias. Outros apontam para uma regionalização de moldes diferentes da votada em refendo, que era decidida centralmente, o que é uma evidente contradição. Mas mesmo uma transferência de competências e responsabilidades parece assustar muita gente.

Para além da aversão natural dos portugueses para a mudança, especialmente quando as mudanças podem melhorar a sua qualidade de vida, são lançados alguns argumentos considerados de peso. Não se quer a multiplicação de pessoas como Avelino Ferreira Torres, Valentim Loureiro, Fátima Felgueiras ou Alberto João Jardim. O argumento, nunca dito de forma explícita, parece ser: se esta gente com o poder que tem já faz o que faz, imaginem como seria se tivessem mais competências.

Contudo, quem conhece um pouco do funcionamento típico de uma autarquia terá de pensar de forma mais abrangente. São inúmeras as estórias de autarcas e vereadores que têm apartamentos por favores que concedem a empreiteiros, normalmente com alterações ao PDM ou facilidades em obter licensas de construção. Sendo esta uma forma dos municípios obterem receitas extra, é natural que isto aconteça. Contudo, ainda pior que esta corrupção formal é a corrupção moral que o actual sistema leva. As câmaras são preenchidas por gente dos aparelhos partidários, completamente amorfos e que bloqueiam todo o tipo de esforço. Funcionários das câmaras que tentam fazer algo para melhorar um serviço deparam-se com obstáculos de toda a ordem. Processos elementares ficam meses à espera de uma assinatura de um vereador mediocre, por vezes prejudicando a vida de milhares de pessoas. E os eleitores já se habituaram a que tudo fique na mesma quando a cor partidária se altera.

Isto é aquilo que o actual sistema leva. Dar mais competências às autarquias parece apenas dar mais espaço de manobra para que tudo se degrade. Para evitar isso há que transferir também mais responsabilidades. Actualmente os eleitores de uma autarquia não se sentem muito penalizados porque têm a sensação que o dinheiro desperdiçado não vem de lado nenhum. Excepto as taxas, para o eleitor comum, o dinheiro tranferido do Estado Central e aquele que vem das licensas de construção, não lhes diz nada. Mas se as autarquias passarem a cobrar os seus impostos a coisa muda de figura. O dinheiro já não vem de negociatas com o poder central ou com empresários. Os eleitores podem fazer uma avaliação clara entre aquilo que pagaram em impostos e a obra feita.
Não que o este novo sistema provoque alterações radicais e imediatas. O mesmo autarcas mediocres e corruptos continuarão a ser eleitos, mas a dificuldades de reeleição aumentarão. Em 3 ou 4 eleições já o figurino estaria alterado. As pessoas iriam estar mais atentas aos municípios vizinhos quando estes tomassem medidas mais arrojadas e iriam reinvidicar o mesmo. Isto causaria uma tendência para aumentar a eficiência e reduzir os custos, para poder baixar os impostos, a principal preocupação dos eleitores. Para ajudar à criação desta dinâmica as eleições autárquicas teriam de ser dissociadas das legislativas. A melhor forma disso ocorrer é ter datas distintas para cada município, de forma a ser impossível fazer leituras do género “foi dado um cartão amarelo ao governo”. Por enquanto, teremos as raposas à solta no galinheiro.
MC
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