sexta-feira, julho 27, 2007

A cultura da cretinice

Este post foi um comentário este post do Hélder , que depois foi publicado também n’ O Insurgente. Volta aqui a ser publicado e reeditado.

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Os portugueses estão a tornar-se claramente mal intencionados. É uma tendência genérica do mundo ocidental que, como se sabe, é pródigo em alimentar aqueles que o querem destruir por dentro e, não raras vezes, através do exterior. Há umas décadas atrás os portugueses podiam ser descritos por uma série de características negativas. Um povo analfabeto, de alcoólicos, com crenças que hoje nos parecem inacreditáveis, onde a utilização da violência era a primeira medida para impor respeitinho. Por incrível que pareça, os tempos que correm são bem piores.
Continuamos a ser um povo de analfabetos funcionais, onde licenciados não conseguem interpretar textos simples mas acham que adquiriram automaticamente o direito a um emprego bem pago. Os analfabetos de outro tempo, que ainda tinham coragem de dizer “não sei”, foram substituídos por um tropel de escolarizados que acham que já tudo sabem e se esforçam por nada mais saber. Os alcoólicos de antes, ignorantes e criados com “sopas de cavalo cansado”, foram substituídos por universitários que acham que o paroxismo da vida académica encontra-se com um copo na mão.
No passado, o povo tinha no seu quotidiano a utilização de mezinhas e pedidos ao além, mas o de hoje não passou a ser mais racional. Jornais e revistas não dispensam o horóscopo. As mezinhas de antigamente foram substituídas por doutos conselhos médicos que, se todos somados e confrontados ir-se-iam anular em grande parte, prescrevendo um jejum quase completo ou um enfartamento mortal por forma a atingir a saúde perfeita em todos os domínios, providenciada pelas propriedades miraculosas dos mais diversos alimentos, de preferência os de origem exótica. O racismo contra africanos foi substituído pelo antiamericanismo. As crenças no além foram substituídas pela crença no Estado nosso Senhor, e pela fé nas alterações climáticas, com consequente veneração do arcebispo Al Gore.

O respeitinho está aí de novo em força, mas se antes era explícito, previsível, hoje aparece de inúmeras formas, mascarado como a necessidade de aplicar os valores da modernidade, que não só urge cumprir com penalizar quem lhes está à margem. A violência não diminuiu, pelo contrário, mas ganhou novas matizes. A insegurança aumenta e só não é mais patente porque outras preocupações a fazem diluir na memória. A violência ganhou sobretudo uma sofisticação psicológica, que começa a ser visível nos primeiros anos de escola. Há 15 anos atrás as crianças ainda brincavam horas a fio nas ruas e se de manhã podiam brigar, na parte da tarde já tudo estaria esquecido. Às crianças de hoje foi-lhes vedada, por diversos motivos, a socialização espontânea. As valências prometidas sobre o ensino pré-escolar e a respeito dos novos métodos de ensino não foram cumpridas. Se nada aprendem os nossos jovens, pelo menos dominam os métodos de exercer a pior violência mental sobre os seus colegas e professores, por vezes durante meses de forma recorrente. Os mais afoitos já perceberam até que ponto podem partir para a violência física, sabendo que vivem sob um paradigma que nunca os responsabilizará.

Os pais que antes diziam aos educadores para baterem nos filhos sempre que tal fosse necessário, no fundo da sua ignorância estava o desejo de darem à sua prol um futuro melhor que aquele que tinham tido, estando conscientes dos maus caminhos que só podiam ser evitados com disciplina. Nos pais de hoje não se percebe qualquer objectivo, nem para si nem para os seus filhos. Prisioneiros do niilismo, esqueceram as palavras de Platão, de que é pior cometer o mal do que o sofrer. Não agem, reagem quando acossados. A realidade para eles é uma afronta, e apontar as falhas patentes dos seus filhos é sentido como um insulto que se tem de retribuir da forma mais dura que lhes for possível.

Muito mais podia ser avançado a este respeito, a honra que foi substituída pela mentira rotineira, os velhos que se passaram a colocar nos lares para morrerem, a explosão das maleitas do espírito, a falência da Justiça e a fraude da Segurança Social. Urge deixar de lado as palavras mansas. É preciso assumir que não há forma de tratar ou simplesmente descrever certas pessoas a não ser utilizando palavrões. As nossas energias devem ser entregues àqueles que se esforçam por ser respeitados.

MC
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sexta-feira, julho 20, 2007

Foram os liberais que perderam as eleições

Após e até antes cada desaire eleitoral dos partidos mais à direita do espectro eleitoral português, aqueles que se consideram liberais aparecem a falar na crise da direita, que esta não se reforma, que não tem novas ideias, que não incorpora em si os princípios liberais. Mas, questiono, porque haveriam os partidos ir ao encontro do liberalismo? É certo que as ideias têm consequências mas as de cariz liberal, por melhores que sejam, têm de combater outras de sinal oposto bem como adaptar-se ao constrangimento democrático. É fácil criticar os políticos por serem populistas, demagogos e não arriscarem num discurso e, sobretudo, numa prática que coloque em causa algumas das premissas fundamentais do Estado social. Nas condições actuais, o jogo político acaba por ser uma tragédia dos comuns em que o primeiro a propor seriamente o fim do “statu quo” irá inevitavelmente perder as eleições. E mesmo depois das eleições ganhas com maioria absoluta, a margem de manobra para efectuar rupturas é escassa.

Penso que chegou a altura de liberais e conservadores assumirem a responsabilidade por não terem feito o suficiente para quebrar a hegemonia socialista no pensamento corrente. Cabe em grande parte aos liberais, porque verdadeiros conservadores parecem ser ainda mais raros que estes, trabalhar no sentido de criar uma corrente de fundo suficiente para que não seja suicida a estratégia dos partidos de direita e até da esquerda moderada a adopção de práticas liberais.

Pior que o pecado de omissão foram três atitudes que alguns liberais assumiram e que contribuíram activamente para a consolidação do paradigma socialista. A mais evidente foi o empenho na causa abortista, quando foram atempadamente e repetidamente avisados que não estava verdadeiramente em questão uma despenalização da IVG, que na prática já era quase total, mas a estatização do acto. Os comunistas odeiam mais o PS que os partidos da direita. De forma idêntica os liberais preocupam-se com toda e mais pequena falha nos partidos na direita sendo incomparavelmente mais benévolos para a esquerda, em especial o PS. Por isso Sócrates teve um estado de graça durante meses a frio, passando semanas sem que os blogs liberais lhe dirigissem uma crítica e, de repente, todos parecem surpreendidos com a péssima gestão do executivo os tiques pidescos. Outra atitude gravosa é o distanciamento da realidade que alguns liberais se forçam. É certo que a maior parte das questões que urge trazer a lume para o grande público são elementares e pouco estimulantes em termos intelectuais. É um verdadeiro trabalho de sapa que não cativa certos liberais, que gostam apenas de debater pormenores intrincados e orgulhando-se até de dizer que são assuntos que pouco sentido têm fora do círculo de debate liberal.

Várias vozes já se levantaram a pedir uma maior consequência das ideias liberais, o que levou há uns meses o surgir duma discussão em torno da criação de um partido liberal. Não tendo o assunto ficado fechado, a maior parte das posições tendeu para o lado de ser preferível influenciar os partidos existentes. Mas, sendo assim, o que foi feito nesse sentido? Para alguns o progresso tem sido notável. Alguns blogs liberais têm um apreciável número de visitas diárias e, através disso, têm sido fonte de recrutamento para os media tradicionais. Temos também uma publicação, a revista Atlântico, que se consolidou e está aí para ficar. Mas terá isto quebrado a hegemonia das esquerdas? Na realidade penso que se conseguiu afirmar um espaço frequentado sempre pelos mesmos e que tem um impacto quase nulo fora deste círculo.

A conclusão é que se torna necessário fazer muito mais e de forma substancialmente diferente. Algo óbvio é a criação de um “think tanks” liberal, como já em tempos aqui escrevi. Perguntam alguns para que serve a criação de mais um centro de estatísticas, apesar de se poder conceber um espaço mais vocacionado para análises qualitativas, senão mesmo filosóficas. Se as ideias liberais estão correctas então os números irão mostrar concordância. E é preciso assumir claramente o objectivo de “produzir” alguns números que sejam apelativos o suficiente para os jornalistas os transformarem em “sound bytes”, ao mesmo tempo que os mais curiosos também possam ter à sua disposição estudos credíveis que suportem as ideias chave avançadas.

A revista Atlântico surpreendeu-me por não ter desaparecido rapidamente, face à sua natureza. Sou leitor assíduo e tenho bastante consideração por algumas pessoas que para lá escrevem. Mas fica aquela sensação de ser apenas o possível. A revista precisava do triplo das páginas, com secções de investigação sobre situações concretas e espaço para artigos realmente de fundo com uma dúzia de páginas, para além de uma miríade de pequenas coisas que pudessem cativar vários públicos. Trata-se de um nível completamente diferente do actual, que necessitaria de um forte impulso que não faço ideia de onde possa vir.

As iniciativas “olhos nos olhos” deviam também ser rotineiras. Só conheci duas de origem liberal, o Café Blasfémias e as noites da Direita Liberal. Foram ambas abortadas, não tendo conhecido as razões mas penso que foi a constatação de que não vale a pena tanto esforço para resultados tão parcos. Iniciativas como esta pouco transpiram para a comunicação social e o pouco que surge trai o que de fundamental lá se passou. Este tipo de iniciativa será potenciado pelos pontos enunciados nos dois parágrafos acima, mas isso não deve ser desculpa para ficar à espera das condições ideais.

Finalmente, penso que há que colocar alguma estratégia no funcionamento dos blogs. Para além da análise breve da actualidade, há matérias mais intemporais que merecem ser revisitadas vezes sem conta. Ora, o funcionamento dos blogs faz com que seja muito difícil distinguir entre diferentes tipos de posts. Alguns merecem ser bem reflectidos, relidos, outros basta apenas uma vez. Assim os blogs correm o risco de ser um “brainstorming” permanente, sem tempo de assentar ideias, o que explica a maior parte dos comentários evidenciar um total desconhecimento das noções mais básicas do liberalismo. A questão não está nos blogs deixarem de ser o que são mas passarem a ser mais. Encontrarem formas de mostrar que pretendem chegar a algum lado e quem os lê poderá ter material suficiente para tirar algumas conclusões mais abrangentes. Outra possibilidade está em utilizar os blogs como forma de potenciar projectos paralelos. Esta recomendação pretendo eu mesmo aplicá-la, de forma necessariamente modesta, mostrando os primeiros resultados até ao final do ano.

MC

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sexta-feira, julho 13, 2007

Mau demais para ser verdade

Existe uma quantidade de «mal» que o ser humano pode conceber no seu espírito. Acima dessa quantidade o homem deixa de classificar o mal como mal e passa a vê-lo como outra coisa qualquer. Pode mesmo entrar em fase de negação, recusando aceitar o evidente. É-nos relatado que a entrada nos campos de concentração nazi era sentida por muitos prisioneiros como irreal, não queriam acreditar, pensavam ser um engano que a qualquer momento iria ser desfeito. Alguns até conseguiam brincar com a situação. Quem também já lidou com mentirosos compulsivos sabe que é incomparavelmente mais fácil ficar desapontado com alguém que foi apanhado apenas numa mentira isolada. Ao mentiroso compulsivo dá-se crédito esperando que ele se modifique, ao ponto de deixar de o recriminar quando ele mente e passar a recompensá-lo quando ele tropeça na verdade. Por outro lado, podemos perder a confiança em alguém para sempre devido apenas a uma mentira, mesmo que inocente.

Desconheço as razões profundas de ser tão difícil conceber o «mal» para além de um determinado limiar. Suponho que seja algo inerente ao ser humano e não apenas uma característica adquirida socialmente. Provavelmente, se o mal em grande escala fosse facilmente concebível muitos seriam os que não resistiriam à tentação de o colocar em prática e a espécie humana já estaria extinta. A globalização abre perspectivas únicas para a prática do mal em larga escala. A combinação é explosiva porque quanto maior é o tamanho da ameaça mais difícil será acreditar nela e, por isso, enfrentá-la.

Vejamos algumas situações onde isto se aplica. Talvez ainda alguém se lembre do caso entre Marcelo Rebelo de Sousa e o governo de Santana Lopes. Ao certo só sabemos das declarações de alguém próximo de Santana Lopes a pedir um espaço para contraditório. A reacção fez lembrar a que ocorreu a pretexto das caricaturas do Profeta publicadas no jornal dinamarquês. Acusações de pressões inaceitáveis, chantagem sobre um canal de televisão, tentativa de implementar a censura. Desde o cidadão anónimo ao Presidente da República, da esquerda à direita, a indignação foi generalizada. O novo governo iniciou funções e Sócrates não só pediu um espaço para fazer contraditório a Marcelo Rebelo de Sousa como tratou de providenciá-lo na RTP, naquele programa patético onde António Vitorino tem o prazer de se fazer ouvir. Os indícios de tentativa efectiva de censurar, de pressionar vozes discordantes ou desconfortáveis abundam neste governo, como se sabe. Mas as reacções estão bem longe de atingir as do tempo de Santana Lopes. Aqueles a quem só faltou arrancar os cabelos para falar diatribes em Santana se agissem proporcionalmente teriam agora de se imolar pelo fogo na praça pública.

A reacção ao terrorismo é também um bom exemplo das dificuldades em conceber o mal. Se prestarmos atenção, a maior parte das críticas que se fazem ao combate ao terrorismo não se prendem com a estratégia. É perfeitamente legítimo argumentar que determinadas acções são pouco eficazes, que outras são contraproducentes ou que têm custos demasiado elevados. Contudo, este tipo de críticas fundamentadas constitui uma minoria. A maioria parte da premissa implícita que não é necessário combater o terrorismo. A ameaça é desvalorizada e todos os atentados que ocorreram têm uma explicação lógica. Os americanos foram atacados porque andaram a pedi-las, os espanhóis e os ingleses porque se puseram ao lado dos americanos. Guarda-se um precioso silêncio sobre os atentados ocorridos em países muçulmanos e os abortados um pouco por toda a Europa, mesmo sobre alguns campeões do antiamericanismo.
Agora um caso mais difícil. No fim-de-semana passado o mundo deu as mãos para salvar o planeta. Aparentemente as pessoas que se mobilizaram para defender o planeta conseguem conceber o mal em grande escala e lutar contra ele. Falta esclarecer um ponto. O que é difícil de conceber é um mal real, não um imaginário, mistificado ou ligado a algum tipo de transcendência. O que os “defensores do planeta” fazem é apenas um julgamento pueril, identificando uma relação simplista causa / efeito que tudo explica e onde se pode fazer uma atribuição de culpas directa, que pode ser ao homem ocidental, ao capitalismo, às grandes empresas, ao Bush ou a qualquer outro demónio. Há aqui apenas um jogo de ilusões para tolinhos. A dificuldade em conceber um mal em larga escala é até mais evidente que nos outros casos. Seja qual for a realidade sobre o aquecimento global as alterações climáticas, temos em mãos um movimento que configura um dos maiores embustes da história da humanidade. A dificuldade em conceber o mal é de tal forma patente neste milhões de fiéis ecologistas que os leva a ser ardorosos veículos de transmissão da mentira. A alternativa, considerar que os milhares de notícias que são espalhadas por dia no mundo sobre o assunto são falsas ou deturpadas, é de tal forma monstruosa que não pode ser verdade.

Sociedades inteiras foram acreditando nos mais diversos disparates, que vistos à distância nos parecem inconcebíveis. Como deixaram de acreditar naquelas coisas? Por reconhecerem o erro? Não, fazendo uma travessia do deserto. O exame de consciência é algo que apenas algumas pessoas fazem. A velha crença é abandonada e a ela sucede um esquecimento. Passados alguns anos é como se ninguém tivesse acreditado naquelas coisas, como se remontassem a um passado distante onde ninguém pode ser responsabilizado. Daqui a uns anos a histeria do aquecimento global vai terminar e ninguém vai lembrar-se que foi um fervoroso apoiante da causa. O que foi feito dos milhões de maoistas que pululavam por essa Europa fora?

MC
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sexta-feira, julho 06, 2007

Candidatos a líderes de opinião

N’ O Insurgente, Patricia Lança divulgou alguns estudos sobre riscos de práticas sexuais como o sexo oral e anal. Alguns dias depois, Patricia Lança colocou uma pedra no assunto por estar cansada do falatório que se gerou. Pensei que se tinha tratado apenas dos esperados comentários jocosos sempre que matérias sexuais entram em cena, mas depois fui tropeçando numa série de posts sobre o assunto um pouco por todo o lado. Percebi que não se tratou de um epifenómeno mas de mais uma manifestação da contaminação no espírito das classes progressistas presentes em todos os credos políticos.

Como reagiria uma pessoa adulta e equilibrada sobre esta questão, supondo que considera importante manter na sua actividade sexual práticas anais e orais? Em primeiro lugar iria mostrar interesse, porque diz respeito a condutas que tem por rotineiras. Depois iria tentar cruzar estes dados com outros fidedignos, para poder fazer uma avaliação crítica. Caso se chegasse à conclusão que aquilo que veio a luz aponta para um risco acrescido, até aí desconhecido, impõe-se uma decisão. Decisão essa que pode ser manter exactamente os mesmos hábitos, por se considerar que se perde mais em alterá-los do que em os manter. Outras opções são a utilização de cuidados acrescidos, redução da frequência de certos actos e, no limite, a sua abolição, para não falar daqueles que até ficam mais tentados pelo risco. Tudo isto sem dramas mas assumindo as responsabilidades pelas suas opções.

Contudo, a quase totalidade das reacções assemelharam-se à da criança mimada que faz birra porque lhe tiraram o brinquedo favorito. A questão de fundo, exposta no parágrafo acima é totalmente elidida, o que interessa é denunciar os supostos planos maléficos de Patricia Lança, uma cruzada moralista, um preconceito anacrónico contra a homossexualidade. Mesmo que existisse uma intenção moralista e um preconceito contra o homossexualismo, o que é que isso alteraria a questão? É apenas relevante a qualidade dos argumentos e a clara distinção entre factos e palpites.

Este assunto merece ser comentado porque envolveu inúmeros candidatos a líderes de opinião, que hoje em dia se começam a recrutar nos blogs. Se eu disser ao Zé Tó do café da esquina que beber demasiada cerveja pode trazer-lhe problemas de saúde, ele certamente irá responder-me com um sonoro arroto. Em que se diferenciam estes bloggers progressistas (que hoje em dia já se encontram em todos os credos políticos) do Zé Tó , quando ao mínimo confronto com ideias que não lhes agradam também respondem com “arrotos mentais”?
Na realidade estou a ser injusto, existe aqui uma pretensão clara de afirmação que recorre aos meios mais eficazes que tem à sua disposição. Dizia Pacheco Pereira na “Quadratura do Círculo”, que o comportamento do Primeiro-ministro era o típico autoritarismo dos fracos. Quem ocupa locais de poder pode exercer esse autoritarismo de forma directa e fazê-lo reflectir em várias direcções por uma espécie de osmose, de forma mais ou menos dissimulada. Os candidatos a líderes de opinião que proliferam nos blogs em geral têm tanto poder como o comum cidadão, por isso necessitam de um simulacro de poder. Conseguem-no denegrindo e humilhando alguém a propósito de um assunto que desperte atenção. A destruição de carácter funciona nas duas direcções, obviamente diminuindo o acusado mas também colocando o acusador num patamar acima do qual realmente ocupa. A delação anónima ainda continua a ser mal vista, sinal de cobardia. Contudo, a delação frontal é hoje tomada como prova de força, audácia e discernimento. A consciência crítica diminuiu a tal ponto que hoje é valorizado o próprio acto de denúncia em si sem ligar aos seus fundamentos. Obviamente que isto configura uma sociedade numa constante fuga para a frente que mais tarde ou mais cedo irá ter um choque abrupto com a realidade.

MC

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segunda-feira, julho 02, 2007

5 Livros

Coloco este post excepcionalmente à segunda-feira para responder ao repto do Hélder, ilustre membro de um dos blogs mais importantes da nossa praça, O Insurgente. Divulgo os últimos 5 livros que li, sem uma ordem temporal precisa.
“Socialism”, Ludwig von Mises – Por várias vezes tenho pensado que este talvez tenha sido o livro mais importante escrito no século XX. Foi o livro que afastou Hayek do socialismo e se isso não tivesse acontecido, “Road to Serfdom” nunca teria sido cogitado. E sem essa contribuição a revolução liberal de Reagan e Tatcher teria sido mais complicada, sendo incalculável até que ponto estaríamos um hoje mais pobres e menos livres. Mais do que ler este livro, vou andar a estudá-lo nos próximos meses. Até ao final do ano pretendo colocar uma série de posts que resumam “Socialism”, apesar do objectivo fundamental ser a obtenção de “insights” num estudo aprofundado sobre totalitarismo que descrevi alguns pormenores aqui.

“O Mito do Eterno Retorno”, Mircea Eliade – Para as civilizações arcaicas a realidade é a imitação do arquétipo celeste. O tempo profano é abolido e o homem projecta-se num tempo mítico em que os arquétipos celestes foram pela primeira vez revelados. A existência consiste num eterno retorno consumado nos rituais e actos importantes. A História, a série de eventos irreversíveis, é negada. O povo hebraico foi o primeiro a conceber um Deus que intervém dando sentido aos acontecimentos históricos. Contudo, mesmo depois da elaboração da filosofia da história por Santo Agostinho, a maior parte das populações cristãs, até hoje, tem dificuldade em aceitar a irreversibilidade dos eventos.

“Guia de Filosofia para Pessoas Inteligentes”, Roger Scruton – Porquê para pessoas inteligentes? Apesar de nem sempre as passagens serem fáceis, Scruton evita complicações desnecessárias tanto quanto possível. Fiquei com a sensação que o autor chama inteligentes às pessoas que têm a audácia de fazer as mesmas interrogações que ele. Ao ler a apresentação do livro fiquei com a ideia de que se tratava de um discorrer de vários temas sem grande relação entre eles. Contudo, trata-se de uma construção progressiva onde os temas mais profundos vão sendo desvendados com a ajuda dos predecessores. Apesar de os comentários ao livro situarem Scruton na esteira de Kant e Wittgeinstein, quem o conhece sabe que temos antes de tudo um admirador de Edmund Burke.

“As Putas do Diabo”, Armelle Le Bras-Chopard – Leitura após ter lido a crítica de Rui de Albuquerque no Portugal Contemporâneo.
Vale pela hipótese levantada sobre quem realmente tomou as rédeas da Inquisição. Contrariando a opinião comum, defende-se que a Inquisição foi sobretudo dominada pelo poder secular quando construía o Estado moderno. Figura central foi Jean de Bodin, que concebeu importantes livros políticos mas, o que poucos sabiam, também escreveu um tratado sobre «demonologia», onde defendia a estatização dos processos judiciais.

“Logoterapia e Análise Existencial”, Viktor E. Frankl – Não confundir com literatura de auto-ajuda. A Logoterapia, criada por Viktor Frankl, é considerada a terceira escola de psicoterapia. O que distingue a Logoterapia de outras formas de psicoterapia é o seu enfoque na busca de sentido. Devido a isso teve de sofrer o desprezo e o escárnio de psicanalistas, marxistas, pragmatistas, estruturalistas, desconstrucionistas e outras tribos do género, estes sim, autênticos criadores de mazelas do espírito. Contudo, Frankl não desprezou a psicanálise de Freud nem a psicologia da Adler nem sequer rejeitou a validade dos fármacos, uma vez que era um homem de ciência, neurologista e psiquiatra. Só que achava que isso não era tudo, a busca para o sentido da existência abriria outras portas para a cura do indivíduo. Uma visão do ser humano que foi testada da forma mais bárbara quando Frankl foi prisioneiro dos campos de concentração nazi.
Deveria agora colocar uma lista de bloggers a quem lançaria um desafio idêntico. Contudo, o serviço de difusão em redes “mesh” é efectuado com mais eficácia por servidores de maior capacidade.
MC
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