sábado, março 31, 2007

Aviso

Para os eventuais leitores deste blog que estejam atentos à sua periodicidade semanal, informo da elevada probabilidade de não existirem actualizações nas próximas duas semanas por motivos de visita ao país do sol nascente.
MC

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Salazar, a admiração e o protesto

Passada quase uma semana após a clara vitoria de António de Oliveira Salazar num concurso que o elegeu com o maior português de sempre, perdi as ilusões de que se pudesse daqui tirar algo de positivo. Podia aquele resultado expressivo ser um “basta!” em relação a um sem número de coisas a que assistimos. Muitas pessoas têm a convicção que com Salazar no poder, se isso fosse possível actualmente, o aeroporto da OTA não iria avançar a não ser que fosse algo muito bem pensado e não um projecto em cima do joelho com largas suspeitas de negociata. Também não haveria figuras aberrantes como Valentim Loureiro e Fátima Felgueiras a dar entrevistas na televisão como se fossem heróis. Nem haveria problemas com o défice, nem reformas e indemnizações milionárias para gestores públicos apenas por uns meses de serviço, nem tribunais que demoram mais de uma década a avaliar processos elementares e a deixar que outros importantes prescrevam, nem que as escolas fossem locais onde nada se aprende a não ser a lógica da violência e, por incrível que pareça, com Salazar não haveriam tanta ingerência na vida privada das pessoas e seríamos mais livres.

No actual contexto, teria algo de positivo pensar desta forma, não por ser muito realista esta fé em Salazar mas porque, pelo menos, haveria uma consciência dos problemas existentes e, mais importante, uma vontade determinada em acabar com eles. Contudo, mais uma vez se provou que não existe opinião pública em Portugal, não há nenhum esboçar de movimento que cheire a “basta!”, o que abre caminho a todo o tipo de interpretações do sucedido. Uma que não tem pernas para andar é a que justifica os resultados como uma acção concertada de movimentos de extrema-direita. Por mais que se esforçassem, isolados teriam sido cilindrados pelos comunistas, com uma capacidade de influência várias ordens de grandeza acima. Certamente que Salazar venceu porque o admiraram ou utilizaram como símbolo de protesto.

Aparentemente muitos votaram por protesto mas nem conseguem compreender isso muito bem e esperam que alguém lhes interprete as vontades. E, sendo assim, põem-se na mão dos opinadores profissionais. Protesto contra o governo porque fechou maternidades e subiu a idade de reforma. Ou protesto contra a direita e não consegue apresentar uma alternativa. Ou então o protesto é contra esta democracia que se criou com tantas expectativas mas a única coisa que ouvimos todos os dias é a nossa posição na cauda da Europa. Ou protesto contra a emigração crescente, a globalização, o terrorismo, o aquecimento global… Se quem protesta nem sabe muito bem ao que vai, abre caminho a todo o tipo de demagogos.

Contudo, o que pode ter desequilibrado o resultado é a admiração por Salazar. Há quem admire Salazar por ter endireitado as contas públicas, por ter evitado a Segunda Guerra Mundial, por ter criado um país ordeiro e de brandos costumes. Mesmo tendo em conta que a memória tende a esquecer o que havia de mau e a romantizar um passado já distante, penso que a admiração maior que Salazar possa despertar resume-se a uma palavra: Império.

Paulo Portas comentou os resultados referindo a pobreza do século XX, que a votação enalteceu com maioria absoluta, ao passo que esqueceu as glórias passadas. Há quase uma unanimidade em considerar o período imperial como o mais glorioso de Portugal. Se forem coerentes terão de admirar forçosamente o último símbolo do império, aquele que manteve esta ilusão várias décadas para além do expectável: Salazar.

Existe uma esquizofrenia temporal que tende a considerar a noção de império gloriosa num passado distante mas totalmente aberrante no presente e passado recente, o que impede de avaliar a questão objectivamente. Para aqueles, como é o meu caso, nunca viveram num período imperial terão dificuldade em conceber como pode ter sido. Portugal já não está orgulhosamente só mas é um país totalmente irrelevante. O império há muito estava condenado mas é precisamente o sentimento de perda que desperta uma certa nostalgia.
MC

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sexta-feira, março 23, 2007

O papel da comunicação social

Em muitas democracias já se admitiu que é irrealista esperar imparcialidade da comunicação social, por isso jornais e canais de TV fazem as suas declarações de apoio ou repúdio atempadamente. Os jornalistas portugueses descobriram algo muito mais interessante: A forma mais eficaz de fazer propaganda consiste em alardear os valores do rigor, da isenção e da imparcialidade com tanto o mais vigor que aquele que utilizam na sua corrupção. Mentir, encobrir, falsificar a realidade, ao mesmo tempo que nos garantem que é extremamente difícil o trabalho jornalístico da procura dos factos e da análise objectiva. Tão difícil que nem o tentam fazer.

O que é a imparcialidade para um jornalista? É atacar os inimigos políticos empolando ao máximo qualquer rumor, acção que justificam pelo direito dos portugueses à informação. Mas é também ocultar qualquer evidência contra os seus protegidos políticos, alegando o dever de seriedade e, logo, o não alimentar boatos sem a devida justificação. Desta forma a comunicação social fez um enorme alarido sobre qualquer banalidade do governo de Santana Lopes, ao passo que insiste em omitir a prodigiosa sequência de trapalhadas do executivo de José Sócrates. E temos o destaque de capa de jornal e notícia de abertura do telejornal quando o assunto é o aquecimento global de origem humana e o silêncio absoluto sobre os estudos e documentários que tem uma postura céptica sobre o assunto. E sempre que se fala dos EUA, de Israel ou da Igreja Católica, a lógica é apresentá-los da forma mais negativa possível.

Se a comunicação social fizesse este trabalho sempre da mesma forma em relação a todos os assuntos, pela omissão ou pela maledicência acrítica, podia ser acusada de incompetência ou de estupidez elementar. Contudo, o plano que seguem não é aleatório, tem objectivos bem definidos e consequências previsíveis. Aquilo que chamamos de opinião pública mais não é que o resultado da adulteração dos factos pelos media.
MC

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sexta-feira, março 16, 2007

A esquerda moderada

Dizem que há por aí uma esquerda moderada. Aliás, que moderada será toda a esquerda tirando algumas excepções. É tal como o Islão, são todos moderados até prova em contrário. Uma moderação levada ao extremo no que toca a criticar os seus radicais. A esquerda, bem melhor que o Islão, explica o aparente paradoxo: A esquerda é plural.

E a esquerda é plural porque admite vários tipos de antiamericanismo, vários graus de desconfiança sobre a economia de mercado, diversos níveis de apoio ao terrorismo e vários andamentos rumo ao totalitarismo. A esquerda é apenas una no que concerne a negar todos os objectivos anteriores, excepto os marxistas que ainda guardam em si alguma honestidade.

A esquerda que não se assume como marxista, a esquerda moderna, tem como objectivo tornar-nos óbvia a sua sabedoria. São apenas os espíritos pouco desenvolvidos, como este de quem aqui vos escreve, que não percebem as verdadeiras motivações da esquerda moderna. Esta esquerda não é antiamericana, é apenas contra os excessos americanos, contra o imperialismo e o unilateralismo. Também não é contra o mercado e a globalização, limita-se a ver as suas insuficiências e a sugerir formas de as corrigir. E claro que a esquerda não apoia o terrorismo, apenas tenta perceber as suas causas e a ter a humildade de reconhecer as culpas do ocidente. E alguma vez a esquerda poderia ser totalitária? Mais que ninguém, a esquerda é pela liberdade, que se concretiza num fruir de direitos alienáveis.

O que acima se expõe de forma irónica são jogos de palavras que raramente são confrontadas com um exigir de explicações. As supostas boas intenções tornam irrelevante o averiguar das consequências destas ideias. Mas a esquerda que se diz moderada tem a obrigação de repudiar da forma mais veemente os projectos de holocausto colectivo da esquerda radical. Como não o tem feito, o resultado é estarmos a viver num regime dominado por ideias extremistas e suicidas. Quando as ideias radicais são o padrão, as ideias moderadas passam a ser o extremo. Não temos uma esquerda moderada mas uma que o quer parecer e para isso obriga-se a extremar-se. A única esquerda moderada que existe é aquilo que se chama direita.

O ser humano é provido de intelecto e tem à sua disposição uma data de ferramentas de despiste de erros desenvolvidas ao longo de gerações. Consegue pegar em certas ideias e delas extrair consequências lógicas, inevitáveis se os pressupostos forem válidos, e também traçar vários cenários consoante as incertezas. Em relação às ideias de esquerda, este trabalho apenas ter sido feito por uma minoria residual e sem grande visibilidade. Ou seja, as linhas orientadoras para o nosso futuro não sofrem qualquer escrutínio da razão, apesar de ser algo relativamente fácil de fazer.

O sucesso da esquerda moderna passa por um processo subtil de exclusão de partes, em que ganha quem fica por último, mesmo sem ter dado provas da mínima validade. Acontece que este processo de exclusão de partes só funciona se: 1) o problema em questão tem solução; 2) O universo das soluções hipotéticas considerado contém em si a solução correcta 3) As hipóteses de solução são disjuntas entre si; 4) For possível provar de forma inequívoca que as soluções incorrectas são de facto erradas. E isto sem contar com a intervenção humana, que na prática apenas ainda distorce mais este processo através da mentira, da calúnia e da falsificação. Desta forma, quando todas as propostas alternativas forem sentidas como ímpias, a solução da esquerda moderna brilhará. A vitória da esquerda resulta de um processo de supressão do pensamento. E assim cumprem-se os desígnios de Marx.


MC

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sexta-feira, março 09, 2007

Alienação voluntária

Ao homem comum, e todos os homens são comuns do ponto de vista apropriado, não se pode esperar um conhecimento aprofundado dos vários problemas que afectam o mundo. As suas fontes são a televisão, um pouco a rádio e os jornais, mas sobretudo as conversas do café. Não lhe passa pela cabeça que o conhecimento nunca se faz sem um grande esforço, onde é necessário avaliar argumentos contraditórios, que de início parecem ter validades semelhantes e para distinguir entre o trigo e o joio é necessário avaliar cada uma das ideias em pormenor e os fundamentos em que se baseia, os quais, por sua vez, carecem com frequência de um procedimento semelhante, sendo uma tarefa com um número de passos indeterminado à partida e, por isso, sem a garantia de obter uma resposta conclusiva.

O homem instruído teria obrigação de conhecer este procedimento e aplicá-lo nas discussões sérias, pelo menos nos limites da exequibilidade possível face ao contexto. O que podemos ver na blogoesfera, nos comentadores e nos próprios bloggers, a maior parte deles com formação universitária e muitos mesmo professores do ensino superior, é uma aversão visceral a este processo de busca da verdade. Como se não bastasse, quando maior é a aversão, maior é o empenho em se mostrar dono da verdade. Ao menos, se não se preocupam em chegar mais perto da verdade, estas pessoas instruídas sabem também que existe uma tarefa infinitamente mais fácil: Desmascarar a mentira e o erro.

Mostrar a existência de um erro é relativamente fácil porque não obriga a criar uma teoria alternativa, basta apontar incoerências, lacunas, testar cenários com as teses propostas e obter conclusões impossíveis, etc. Mas, para aqueles que não têm paciência, arte ou engenho para esta tarefa, poderiam ao menos reconhecer o mérito de quem o faça. Mas até isto é raro. O que é frequente é a tentativa de lançar descrédito e o insulto sobre quem faz esse trabalho. É neste contexto que se lançam apelos a consensos científicos e políticos, não por se contar com a ignorância do homem comum, mas sim a contar com militância alienada, anti-verdade, do homem erudito.
MC

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sexta-feira, março 02, 2007

Somos todos “socretinos”

Lê-se com frequência nos blogs que os partidos à direita do PS não têm feito oposição ao governo digna desse nome. Muitos também advertiram que o referendo ao aborto é uma jogado política de Sócrates para dar um ar de esquerda, ao mesmo tempo que criou um facto político que tornou irrelevante qualquer outra discussão sobre a governação do país. Acontece que o referendo já passou e os blogs que supostamente se encontram à direita do governo continuam com uma postura passiva.

Estará assim tudo tão bem? Não há factos políticos a comentar? Assim, de repente, lembro-me de alguns. Começando logo pelo aborto, o PS fez as alterações à lei com a ajuda da extrema-esquerda. Não há comentário a fazer à suposta modernidade nem aos idiotas úteis não esquerdistas que estiveram do lado do “sim”? Há poucos dias tivemos o debate mensal no parlamento onde consta que Sócrates fugiu com o rabo à seringa. Não despertou interesse no grosso da blogoesfera. Temos também o anúncio da proibição de fumar em certos locais privados de acesso público. Indiferença generalizada, a defesa da liberdade já deve começar a cansar. A questão dos voos da CIA também não está completamente esclarecida. Silêncio sobre o assunto. As urgências hospitalares também não interessam aos bloggers deste país, que começo a perceber que não gostam de misturas com o país real. Temos ainda uma taxa de desemprego das mais elevadas nas últimas décadas. Enfim, um blogger no desemprego sempre tem mais disponibilidade para “postar”.

A blogoesfera não tem que seguir a agenda mediática do governo. Nunca o fez e daí a sua riqueza. Contudo, nos últimos tempos os nossos melhores bloggers têm agido quase como se não tivéssemos governo e vivêssemos numa gestão corrente descentralizada, sem turbulências. Há vários blogs que se dedicam explicitamente à análise das actualidades, especialmente no campo político (não é propriamente o caso deste modesto blog). No entanto, quem faça uma consulta genérica percebe que as únicas actualidades que andam a ser seguidas são as que se passam “lá fora”. Encontrará também interessantes discussões académicas com uma escassa ligação com a realidade presente ou, dito de outra forma, discussões em que os seus intervenientes não mostram grande emprenho em relacioná-las com a realidade que vivemos.
MC

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