sexta-feira, fevereiro 23, 2007

O pretexto Salazar

Surpresa ou não, Salazar foi considerada por muitos portugueses como o maior de todos. Jaime Nogueira Pinto fez um documentário em defesa da personagem, que ainda não vi, e a consciência moral do país, ou seja, a extrema-esquerda, pediu censura. Para quem não sabe, a censura é como o terrorismo, desde que exercida pelos justos faz todo o sentido. E quem são os justos? São aqueles que defendem causas justas. E o que é uma causa justa? Para quem acredita numa causa ela nunca deixa de ser justa. Raciocínio circular? Pode ser, mas é extremamente útil. Para os intelectualmente limitados, o facto de conseguirem sempre argumentar dá-lhes uma enorme autoconfiança.

O raciocínio circular pode prolongar-se indefinidamente porque nunca sai do mesmo sítio. Mas há uma forma de abreviá-lo. Uma causa é justa porque se opõe a uma situação injusta. Por isso, encontrar uma causa justa, e na sua posse tudo se torna justificável, é apenas o trabalho de fazer crer que existe a luta contra uma ou várias injustiças. O ponto a realçar, pela sua genialidade e perspicácia do conhecimento da alma humana, é que uma injustiça é tudo aquilo que é sentido como tal. A sensação de injustiça pode ser provocada por uma demonstração tipo “A +B” mas é incomparavelmente mais eficaz quando é induzida. Uma injustiça pode ser até em relação a algo que nem existe, como um receio sobre o futuro ou pela recordação de um passado fantasiado.
O que custa à extrema-esquerda não é o branqueamento do salazarismo mas o simples facto de se começar a avaliar aquele período de forma descomplexada. Haver entusiastas do salazarismo até tem a sua utilidade para a esquerda, da mesma forma que a existência de comunistas era uma grande valia para o Estado Novo. Haver entusiastas do outro lado da barricada reforça a ideia da necessidade da luta contra a injustiça, por existirem inimigos reais e não apenas ideias abstractas. O pior que pode haver para uma causa é a suposta injustiça contra a qual se luta começar a ser vista de forma fria e ponderada. Dizer que o salazarismo tinha coisas boas e más, apresentar números, comparar situações concretas. Num contexto de confronto, o nível dos vencedores avalia-se pelo nível dos vencidos. A luta do bem contra o mal só tem interesse quando o mal é poderoso. Banalizar o salazarismo é banalizar a própria causa da esquerda e nada pode ser mais útil para nos libertar da chantagem sobre a qual vivemos.
MC

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sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Pensamento economicista

O SEMÁFORO

O semáforo em questão é complicado. Permanece fechado uma “eternidade” e quando abre é apenas por uns escassos segundos. Já há bastante tempo na fila, que era bem maior atrás de mim do que a que estava adiante, aparece um carro num acesso secundário à direita. A sua intenção era também meter-se quando o sinal abrisse. Não lhe permiti a veleidade. Porquê? Mau feitio, pressa, desatenção, marcar o território? Nada disso, apenas uma questão de justiça.

Vejamos o que aconteceu. Quando o semáforo abriu, o automóvel atrás de mim foi o último a conseguir passar. Se tivesse deixado entrar o oportunista da direita, o que estava atrás de mim não teria conseguido prosseguir, apesar de já esta há bastante mais tempo à espera. Mais que isso, eu mesmo poderia não ter conseguido passar o semáforo porque a gentileza de deixar passar teria feito perder um tempo precioso.

Mas o não deixar passar não é uma regra geral. Baseia-se também na noção intuitiva de que quem tenta “meter-se na fila”, nestas situações, o consegue fazer com facilidade. Existem situações particulares em que se percebe que “tentar entrar” é extremamente difícil e aí a decisão podia ser outra. Outras situações mais complexas podem apoiar a decisão de “deixar entrar”, por exemplo, quando desbloqueiam alguma situação de tráfego.


CASAS DE BANHO

Pouca gente dá-se ao trabalho de analisar com seriedade a problemática das casas de banho públicas versus privadas. Quantos de nós, mesmo numa situação de aflição, não terão uma certa relutância em utilizar os sanitários públicos? As condições de higiene levantam dúvidas justificadas, nos piores casos prenunciadas à distância por via olfactiva. No seu interior encontramos com frequência números de telemóvel de almas caridosas que prestam os seus serviços a camionistas. E também é um bom local, a partir de certas horas da noite, para encontrar o tarado da zona em intensa actividade manual.

Quem não tiver uma ideia radicalmente diferente das casas de banho privadas, na sua maioria as que temos em casa, deve questionar seriamente a qualidade das suas relações sociais e o seu próprio estilo de vida. Em geral, a casa de banho de cada um é um local suficientemente agradável para manter a leitura em dia. O incentivo para cuidar das próprias coisas é incomparavelmente maior que o que sentimos para tratar de tudo o que se encontra na esfera pública. A limpeza da casa de banho em cada domicílio é da responsabilidade de cada agregado familiar. Cada acção descuidada tem consequências quase imediatas, o que não ocorre no sanitário público, para além de um peso na consciência, que só pode ter lugar para quem a possui.

Não confundir as casas de banho públicas com as casas de banho privadas de acesso público, como as dos centros comerciais. Nestas existe o interesse do administrador das instalações em as manter tão limpas e agradáveis quanto possível. Quando esse interesse não existe ele irá perder clientes. Nos mais diversos sectores existe a argumentação que tenta mostrar que a privatização leva à perda de qualidade dos serviços e que estes serão um privilégio dos mais favorecidos. Comparemos as casas de banho públicas e, para simplificar, as privadas de acesso público. Em geral, quais as mais fáceis de encontrar e quais apresentam melhor qualidade?
MC

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sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Notas finais sobre o referendo ao aborto (II)

O que vai acontecer depois do referendo é uma incógnita, qualquer que seja o resultado. É possível conceber uma vitória do “não” com uma despenalização da Assembleia da República. Pode também ocorrer uma vitória no “não” e a lei ficar como está mas, aos poucos, começar a ser interpretada de maneira mais lata, como se faz em Espanha. Justificar o aborto por razões psicológicas foi uma porta aberta já há vários anos, até agora não aproveitada, mas não se vê grandes razões para que não o seja. Não estou a dizer que o deva ou não ser, apenas que é uma possibilidade que mesmo muitos defensores do “não” já identificaram.

Por outro lado, uma vitória do “sim” também tem as suas incógnitas. O facto do PS não assumir claramente o que vai fazer com esse resultado (curiosamente Sócrates disse o que faria com o “não”) indicia que a intenção do governo é liberalizar e subsidiar o aborto. Contudo, penso que isto não é claro. Mesmo que muita gente no PS tenha esta intenção, e mais à esquerda nem se consegue conceber outra possibilidade, a incógnita está no Primeiro-ministro. Ninguém sabe muito bem o que pensa Sócrates mas o que sabemos é que, aquilo que é a sua vontade será aquilo que será feito. Acho que é muito provável que Sócrates queria apenas a despenalização do aborto e não mais que isso, mas até agora não o confessa para não criar confusão à esquerda.

O que há de comum em todos os cenários é que conduzem a uma facilitação do aborto. No limite, o cenário mais favorável para o “não” será ficar tudo como está, mas mesmo isso não é muito plausível se pensarmos que Badajoz está a duas horas de Lisboa. Não se viu nos últimos anos ninguém pedir uma maior protecção para o feto. Há quem defenda a diminuição do número de abortos por via racional, via planeamento familiar, conhecimento dos métodos contraceptivos, etc. O conhecimento é indispensável mas só por si vale pouco. Mulheres cultas e informadas evitarão o aborto de vão de escada mas só o evitarão em outras condições se valorizarem a vida desde a sua concepção. É muito mais cómodo tomar um medicamento abortivo de seis em seis meses do que ter cuidados diários com métodos contraceptivos.

Por isto tudo, penso que são é possível combater o aborto directamente, excepto numa sociedade totalitária. Numa sociedade livre só é possível fazê-lo através da interiorização de valores. Mas a vida em sociedade em relativa liberdade é algo recente, de uma enorme fragilidade e o próprio valor da liberdade é desprezado com frequência. Em grande parte, as sociedades livres são laboratórios onde as forças totalitárias vão impondo aos poucos e de forma aparentemente natural as suas ideias colectivistas e niilistas. São estas pessoas que são normalmente identificadas como os portadores dos valores da modernidade. É um cozer a lume brando, de início até parece agradável.
MC

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Notas finais sobre o referendo ao aborto (I)

A próxima segunda-feira será um alívio, acabou a poeira do referendo ao aborto. Como toda a poeira, entra nos nossos olhos e turva a capacidade de observação. Mais que isso, os olhos irritados, doridos, perturbam também o espírito, toldando a sua capacidade de análise. Posto isto, dou por mim a achar pertinentes as palavras de Jerónimo de Sousa, que acusa certa direita, Paulo Portas e outros, de não ter feito nada para combater o aborto. Penso, por exemplo, que se a adopção fosse um processo rápido e eficaz, muitos abortos seriam evitados. A direita no poder nada fez para facilitar o processo, nem me lembro de tomar alguma iniciativa que mitigasse a algumas das causas mitigáveis do aborto.

No último referendo tive a noção de que o “não” era arrogante e dogmático. Era jovem, e como a maior parte dos indivíduos desta classe, uma autêntica besta. A única coisa que posso alegar em meu favor foi que, à última da hora, decidi não votar (e o voto teria ido para o “sim”). Apercebi-me que havia algo de muito errado em tomar decisões quando estamos tomados por emoções. Nos últimos dias tenho visto militantes do “sim”, nos mais diversos contextos, a puxar o tema do aborto para insultar gratuitamente os partidários do “não”. Também eu em tempos os achei merecedores de insultos, o que me faz pensar que o ser humano não foi feito para viver em sociedade, apenas em pequenas em comunidades, mas como é em sociedade que vivemos não podemos confiar apenas na nossa natureza.

O argumento da liberdade de escolha da mulher tem algum peso. Contudo, a liberdade não é usada como um valor em si, é apenas mais um argumento que se adiciona a outros. Penso que a pouca valoração que os portugueses conferem à liberdade deve-se a ser um conceito bem longe de estar entranhado na alma lusitana e ninguém pode dar valor ao que não conhece nem vive com paixão. Caso contrário, cada vez que alguém falasse na liberdade de fazer o que se bem entender, imediatamente haveria uma reacção maciça a defender a necessidade complementar de responsabilidade. E, no caso do aborto, um oposição maciça ao seu financiamento, porque constitui uma transferência de uma responsabilidade individual para uma responsabilidade do colectivo.
Se a liberdade fosse vista como um valor em si, teria de ser defendida sempre e não apenas quando dá jeito. É uma ironia que uma mulher possa vir a ser livre para abortar, como tudo indica, mas caso seja mãe já não pode escolher a escolha para os seus filhos. Mais caricato ainda, muitos dos partidários do aborto livre têm vindo a defender penalizações para os pais que deixem os filhos engordarem. As principais forças a favor do “sim” têm projectos totalitários para a sociedade. Caso tomassem o poder não teriam qualquer pudor em tomar conta da barrigas das mulheres, a definir quantos filhos cada uma teria de ter e quando os devia ter. Um excesso de população decretaria uma esterilização de milhares de mulheres. Caso houvesse um défice populacional, seriam criadas comunidades de fertilidade. Claro que ninguém defende isto abertamente, nem a maioria das pessoas a favor do “sim” espelham esta mentalidade. A grande surpresa que tive neste referendo foi ver pessoas pelo “sim”, que considerava responsáveis e que têm argumentos válidos, a unirem-se a pessoas de mentalidade totalitária.
MC

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segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Bjørn Lomborg sobre as escolhas fundamentais (IV)

Última parte da transcrição/tradução da apresentação de Bjorn Lomborg.

O que nos diz isto sobre a nossa lista de prioridades? Olhando para a vossa lista de prioridades, condiz com os resultados que apresentamos ou aproxima-se deles? Voltando novamente ao tema das alterações climáticas, há muitas pessoas que acham que devíamos tratar desde problema quanto mais não seja por ser um grande problema. Mas nós não podemos tratar de todos os problemas, são demasiados. O que gostaria de transmitir é que, se nos focamos nos problemas devemos seleccionar os certos, aqueles onde podemos fazer a diferença e não os em que pouco podemos influenciar.

Thomas Schelling, um dos participantes do “dream team” [oito peritos responsáveis pela lista de prioridades], salientou muito bem uma coisa que as pessoas esquecem, que daqui a 100 anos, quando a maior parte dos impactos das alterações climáticas se fará sentir, as pessoas serão muito mais ricas. Mesmo as previsões mais pessimistas da ONU estimam que em 2100 o nível médio de vida dos cidadãos nos países em desenvolvimento serão iguais aos nossos [trata-se de um nórdico a falar para americanos]. O mais provável é que sejam duas ou três vezes mais ricos que nós agora e claro que nós ainda seremos mais ricos. Por isso, quando falamos em ajudar as pessoas no Bangladesh em 2100 não estamos a falar de “bangladeshis” [não encontrei a designação portuguesa] pobres mas sim em ajudar holandeses ricos. Por isso a questão é se queremos gastar imenso dinheiro para dar uma ajuda ligeira a holandeses ricos daqui a 100 anos ou se queremos ajudar hoje as pessoas no Bangladesh, que são realmente pobres, que precisam mesmo de ajuda e a podemos fornecer de forma muito pouco dispendiosa.

Schelling também colocou o seguinte cenário, imaginem que estão em 2100 e são um chinês, um boliviano ou um congolês rico, como eles serão. Irão lembrar-se das decisões tomadas em 2005 e pensarão como foi bizarro que se tenham preocupado tanto em ajudar-me a mim um pouco, com medidas de combate às alterações climáticas, mas tenham feito tão pouco para ajudar o meu avô ou o meu bisavô, que podiam ter ajudado muito mais e necessitavam dessa ajuda.

Isto mostra-nos a importância em estabelecermos as prioridades mesmo que isso vá contra a forma típica como vemos estas coisas. Isto deve-se aos bons filmes que existem para chamar atenção para as alterações climáticas, como “The day after tomorrow”,que é uma boa peça de entretenimento, agora não esperem ver o Brad Pitt num próximo filme a limpar latrinas na Tanzânia, não é muito apelativo para nós. De várias maneiras o “Copenhagen Consensus” e toda esta discussão sobre prioridades faz a defesa dos problemas chatos e desinteressantes e faz-nos perceber que esta discussão não tem como objectivo fazer-nos sentir bem, não é fazer aquelas coisas que têm mais atenção mediática mas sim escolher os locais e as situações onde mais podemos ajudar.

Os críticos dizem que estamos a estabelecer falsas escolhas, que é um falso dilema. Num mundo ideal certamente concordo que devemos atender a todos os problemas, mas não é esse o caso. Em 1970 o mundo desenvolvido disse que iríamos gastar actualmente o dobro em ajuda aos países do terceiro mundo, contudo a ajuda passou para metade [suponho que com as actualizações necessárias] e por isso não me parece que estejamos no bom caminho para resolver os grandes problemas. Algumas pessoas falam da guerra do Iraque, onde se gastaram 100 mil milhões de dólares, que podiam ser utilizados para melhorar o mundo. Se alguém conseguir convencer Bush em ir por aí, também alinho. Mas ainda assim, com mais 100 mil milhões de dólares devemos gastá-los da melhor forma possível e teremos de voltar à lista de prioridades.

É esta a melhor lista possível? Para além de termos perguntado a alguns dos melhores economistas do mundo, fizemos paralelamente as mesmas perguntas a 80 jovens à volta do mundo. O requerimento é que fossem estudantes universitários e falassem inglês. A maior parte eram de países desenvolvidos. A surpresa foi que a lista que elaboraram foi bastante similar, com a má nutrição e as doenças no topo e as alterações climáticas no fundo. Já repetimos isto muitas vezes em seminários, com estudantes universitários e os resultados são muito semelhantes. E isso dá-me confiança para dizer que existe um caminho adiante que nos leve a começar a pensar em prioridades e perguntar o que é realmente importante no mundo. Claro que num mundo ideal, volto a dizer, iríamos adorar resolver todas as situações, mas não o podendo fazer, o que deve vir em primeiro lugar?

Vejo o “Copenhagen Consensus” como um processo, com os primeiros resultados em 2004. Para 2008 e 2012 esperamos reunir muito mais pessoas,e melhor informação e traçar o caminho certo para o mundo. Mas também começar a pensar na triagem política, optar não pelas coisas onde podemos fazer muito pouco com um custo muito elevado, nem por aquelas que não sabemos como fazer, vamos antes optar pelas coisas que produzam os maiores benefícios, com um custo reduzido e que comecemos a fazer isso de imediato. No final do dia podem discordar da forma como elaboramos as prioridades mas temos de ser francos em honestos em admitir que se há algumas coisas que fazemos, outras terão de deixar de ser feitas, se nos preocupamos demasiado com algumas coisas, outras ficarão esquecidas. Então, espero que isto [ao mesmo tempo que faz um gesto que se supõe ser para o slide que apresenta as conclusões finais, mas que no fundo simboliza toda a apresentação e o “Copenhagen Consensus”] nos ajude a definir melhores prioridades e a pensar como trabalhar melhor em prol do mundo. [aplausos]
MC
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Bjørn Lomborg sobre as escolhas fundamentais (III)

Bjørn Lomborg continua, explicando sucintamente o processo do “Copenhagen Consensus”.

Convidamos 30 dos maiores economistas mundiais, três para cada área. Três economistas de topo escrevendo sobre alterações climáticas, o que podemos fazer? Quais são os custos e os benefícios? Da mesma forma para as doenças contagiosa e assim por diante. Depois, em Maio de 2004, na Dinamarca, 8 dos maiores economistas do mundo, incluindo três laureados com prémio Nobel, avaliaram as propostas e elaboraram a lista de prioridades.

Podem perguntar, porquê economistas? É uma boa questão. O ponto é que, se querem saber sobre malária devem ir perguntar a um especialista em malária, se querem saber sobre clima dirigem-se a um climatologista. Mas se querem saber a qual devem dar primazia não podem perguntar a nenhum deles, porque não é isso que fazem, essa é a tarefa dos economistas. Estabelecem prioridades, o que se deve fazer primeiro e o que deixar para depois.

A lista estabelecida pelo “Copenhagen Consensus”, que quero partilhar convosco, diferencia entre maus projectos, onde o investimento de 1 dólar origina um retorno inferior a 1 dólar. E depois há projectos razoáveis, bons projectos e projectos muito bons e é natural que se comece por estes.

Então vamos começar pelo fim da lista e depois subimos até aos melhores projectos. Como podem ver, no fim da lista estão as alterações climáticas. Isto deixa muitas pessoas ofendidas e é bom falarmos sobre isto. Dizer que o protocolo de Kyoto é uma má opção tem a ver com a sua eficiência muito reduzida, não quer dizer que não existe aquecimento global [essa é outra conversa], nem que não se trata de um grande problema mas sim que o que podemos fazer é muito pouco e tem um custo muito elevado. O que os modelos macroeconómicos nos mostram é que o Protocolo de Kyoto, se todos concordassem com ele, custaria 150 mil milhões de dólares por ano. É uma grande quantidade de dinheiro, que representa duas ou três vezes a ajuda aos países em vias de desenvolvimento, todos os anos. O que os modelos mostram é que o Protocolo de Kyoto consegue retardar o aquecimento em 6 anos no ano 2100. Isso significa que as pessoas no Bangladesh, que ficariam com inundações em 2100, poderiam esperar até 2106, o que é positivo mas não ajuda muito.

Então devemos gastar muito dinheiro para ter um retorno assim tão modesto? Como referência, a ONU estima que com metade do que se gastaria no Protocolo de Kyoto, 75 mil milhões de dólares por ano, poderíamos resolver todos os problemas básicos do mundo, água potável, redes sanitárias, cuidados de saúde e educação para todos os seres humanos do planeta. O que nos devemos perguntar é se queremos gastar o dobro e não provocarmos grandes melhorias ou apenas metade e ter um resultado incrivelmente positivo? [A construção da frase não está completamente correcta mas percebe-se facilmente o sentido da pergunta.] E é essa a razão da classificação como mau projecto, não quer dizer que se tivéssemos todo o dinheiro do mundo não o faríamos, mas como não temos não pode ser a nossa prioridade.

Nos projectos considerados razoáveis temos o fornecimento de cuidados básicos de saúde. Neste caso os efeitos são bastante positivos mas os custos são também muito elevados. Isto deve levar-nos a começar a pensar nos dois lados da equação. Entre os bons projectos temos a construção de redes sanitárias e de água potável, que são coisas muito importantes mas têm também custos elevados.

Gostaria de falar dos projectos no topo, que deviam constituir as nossas prioridades. O quarto melhor projecto está relacionado com a malária. Todos os anos são infectadas cerca de 500 milhões de pessoas com esta doença, o que para as nações onde a incidência é maior representa gastos que são uma fracção importante do produto interno bruto. Investindo cerca de 13 mil milhões de dólares nos próximos 4 anos poderíamos reduzir a incidência para metade, impedir a morte de 350 mil pessoas e, talvez ainda mais importante impedir a contaminação de quase 1 bilião de pessoas todos os anos. Iríamos aumentar significativamente as suas possibilidades de lidarem com os outros problemas com que se defrontam, a longo termo até com o aquecimento global.

O terceiro melhor projecto tem a ver com o comércio livre. O que os modelos mostram é que com o comércio livre e cortando subsídios na União Europeia e nos Estados Unidos a economia mundial ir-se-ia avivar com incrível ganho de 2400 mil milhões de dólares por ano, metade dos quais em favor dos países do terceiro mundo. Isto quer dizer que poderíamos tirar da pobreza 200 ou 300 milhões de pessoas muito rapidamente, num prazo de 2 e 5 anos. Esta seria a terceira melhor coisa que podíamos fazer.

O segundo melhor projecto diz respeito ao combate à má nutrição, não a má nutrição em termos gerais, mas há uma forma bastante acessível de lidar com o problema combatendo a falta de micro-nutrientes. Cerca de metade da população mundial tem carências de ferro, zinco, iodo e vitamina A. Investindo 12 mil milhões de dólares podíamos melhorar muito esta situação.

E o melhor projecto seria o que tem o foco no HIV/SIDA. Basicamente investindo 27 mil milhões de dólares nos próximos 8 anos poderíamos evitar 28 milhões de novos casos da doença. É preciso realçar que há duas formas muito diferentes de tratar do HIV/SIDA, uma o tratamento e a outra a prevenção. Num mundo ideal poderíamos fazer ambas mas devemos perguntar onde devemos investir primeiro e o tratamento é muitíssimo mais caro que a prevenção. O que isto nos diz é que podemos fazer muito mais investindo na prevenção, obtendo benefícios 10 vezes superiores para gastos equivalentes.

(Cont.)
MC
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Bjørn Lomborg sobre as escolhas fundamentais (II)

Em Fevereiro de 2005 Bjørn Lomborg fez esta apresentação, onde em 17 minutos explicou o fundamental do “Copenhagen Consensus” (ver post anteior). Não sendo uma iniciativa completamente imune a críticas, tem a virtude de chamar a atenção para uma série de questões que normalmente ficam esquecidas quando se abordam os grandes problemas da humanidade. Segue-se uma tradução “livre” desta apresentação, onde se procura ser fiel a todas as ideias apresentadas, apesar do muito trabalho criativo necessário não só para traduzir o inglês para português mas também as adaptações necessárias da passagem do discurso falado, que se pode recorrer de gestos e entoações, para o discurso escrito mais limitado nesse sentido.

Quero-vos falar dos grandes problemas do mundo, não do”
The Skeptical Environmentalist”, provavelmente também uma boa escolha [risos na plateia]. Antes de continuar, peço que peguem em papel e caneta. A matéria de fundos são os muitos problemas existentes no mundo, referindo apenas alguns mais relevante: Existem 800 milhões de pessoas que sofrem de fome, mil milhões com escassez de água potável, 2 mil milhões sem instalações sanitárias, dois milhões que morrem de SIDA por ano, 175 milhões de migrantes, 940 milhões de adultos iletrados e vários biliões [terminologia americana, em que um bilião corresponde a mil milhões] serão afectadas pelo aquecimento global.

Existem realmente muitos problemas. Num mundo ideal iríamos resolve-los todos, mas na realidade não o podemos fazer. E sendo assim, a questão que penso que devíamos colocar a nós mesmos é, se não podemos fazer tudo quais são as coisas que devíamos resolver em primeiro lugar? E é essa a questão que vos quero colocar, se tivéssemos 50 mil milhões de dólares para gastar nos próximos 4 anos, para melhorar este mundo, onde os devíamos gastar?

Identificamos 10 grandes desafios para a humanidade: alterações climáticas, doenças contagiosas, conflitos, educação, instabilidade financeira, governação e corrupção, fome e má nutrição, população: migração, água e cuidados sanitários, subsídios e barreiras alfandegárias. Acreditamos que este conjunto reúne os grandes problemas do mundo. A questão que parece óbvia de ser feita é, quais são as matérias fundamentais? Por onde devíamos começar? Mas esta é uma abordagem errada, também seguida em Davos, onde se coloca a ênfase apenas nos problemas […]. A abordagem correcta não é ter uma lista de prioridades dos problemas mas sim das suas soluções. Para as alterações climáticas temos o protocolo de Kyoto, para as doenças contagiosas clínicas e redes de mosquitos, para os conflitos forças de segurança da ONU, etc. Neste cenário mais complexo peço-vos a tarefa impossível de, em 30 segundos, traçar as prioridades mas também, e aqui recai o odioso sobre os economistas, aquilo que deve ficar no fundo da lista.

O que pretendo nestes 18 minutos é colocar-vos a pensar neste processo de prioritização.E devíamos questionar porque razão nunca tinha sido feita uma lista como esta. E uma razão é que a prioritização é extremamente desconfortável, ninguém a quer fazer. Todas as organizações quereriam estar no topo desta lista mas, ao mesmo tempo, todas as organizações iriam detestar não estar no topo da lista. E como existem muito mais lugares no fundo do que no topo, faz todo o sentido não querer fazer a lista [e sofrer a inevitável impopularidade]. A ONU existe quase há 60 anos e nunca elaboramos uma lista das grandes coisas que podemos fazer no mundo e estabelecer as que devemos fazer primeiro.

Mas isto não quer dizer que não estejamos a fazer um processo de prioritização, cada decisão é o estabelecimento de uma prioridade. Mas estamos a fazê-lo de forma implícita e é muito improvável que isso seja uma melhor solução do que uma prioritização feita de forma consciente e discutida. Durante muito tempo tivemos uma situação em que onde havia muitas escolhas, muitas coisas que podíamos fazer, mas não tínhamos nem os custos nem os” tamanhos”. Para ter uma ideia, era como ir a um restaurante, ter um menu enorme mas sem preços. Imaginem pedir uma piza, não sabem o preço, pode ser um dólar, podem ser mil, pode ser uma familiar ou então uma fatia individual. Nós gostamos de saber estas coisas e é isso que o “Copenhagen Consensus” tenta fazer, colocar preços nestes itens.

(Cont.)

MC
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Bjørn Lomborg sobre as escolhas fundamentais (I)

O que fazer em relação aos problemas fundamentais com que a humanidade se defronta? Não é difícil encontrar opiniões sobre o assunto, ouvimo-las nas mesas dos cafés e até nos concursos de “Miss Universo” e, em regra, não as levamos muito a sério. Pelo contrário, quando os telejornais abrem com previsões catastróficas sobre o futuro do planeta, que supostamente andamos a destruir de forma inexorável, são poucos aqueles que resistem à tentação de considerar as alterações climáticas como o problema fundamental e mais premente que a humanidade se defronta. Temos também a ONU a sempre a lembrar os problemas de saúde, educação, fome e má nutrição, conflitos civis, entre outros, que subsistem no mundo, quando não aumentam

Face a este conjunto de problemas, a ONU dita um despejar de dinheiro em cima de cada um sem grande critério. Rotineiramente vão aparecendo «grandes ameaças para a humanidade», como a gripe das aves, que despertam uma grande atenção e também competem para a disputa dos fundos existentes. Bjørn Lomborg, autor do livro
The Skeptical Environmentalist teve a iniciativa de lançar o projecto “Copenhagen Consensus” que visa introduzir o conceito de prioritização para que as decisões tomadas sejam realmente eficazes na resolução dos problemas. O projecto reuniu em Maio de 2004, na Dinamarca, oito economistas, três deles prémio Nobel, que responderam à pergunta: «Se tivesse 50 mil milhões de dólares para gastar nos próximos 4 anos, que projectos iria escolher para melhorar o mundo?»

Para responder a este pergunta foram confrontados com 32 propostas de 10 especialistas
, que elaboraram 10 documentos nas seguintes áreas: Subsídios e barreiras alfandegárias, fome e má nutrição, alterações climáticas, conflitos, instabilidade financeira, água e cuidados sanitários, migração de populações, doenças contagiosas, educação e, finalmente, governação e corrupção. Alguns projectos tiveram uma avaliação inconclusiva, tendo no final restado 17. As classificações que obtiveram serão surpreendentes para muitos já que no fundo da lista e considerados maus projectos, ficaram 3 propostas relacionadas com o combate às alterações climáticas. A proposta melhor classificada dizia respeito ao controlo do HIV/SIDA.

Os resultados podem ser vistos a fundo no livro Global Crises, Global Solutions
.Também se pode encontrar muita informação no site do Copenhagen Consensus Center. Para ter uma noção das principais questões que envolvem este assunto é aconselhável ver esta apresentação que Bjørn Lomborg fez para um auditório de mil pessoas . Em alternativa ou como complemento podem-se ler os restantes posts desta série, que fazem a transcrição/tradução mais ou menos fiel da apresentação.

Série de posts inspirada neste post do André Azevedo Alves publicado n' O Insurgente.
MC
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sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Semiramis, um ano depois do fim

Precisamente há um ano atrás, em 2 de Fevereiro de 2006, era publicado no blog Semiramis o artigo “12ª Medida Anti-burocracia”. Durante cerca de 4 meses este post, em nada excepcional em relação ao resto do blog, recebeu 2133 comentários. Os primeiros comunicados na caixa de comentários informando do falecimento da Joana, não foram levados a sério. A autora transparecia uma jovialidade e vitalidades contagiantes, mesmo para quem com ela não concordava. Não havia muito tempo o Semiramis tinha sido eleito o melhor blog de direita de 2005, numa votação promovida pelo O Insurgente. A Joana não concordaria totalmente com o rótulo “direita” mas compreendia que as divisões entre direita e esquerda facilitavam as classificações. Esta distinção é notável para um blog individual que concorria com outro blogs colectivos de peso, em particular o Blasfémias.

Mas o percurso do Semiramis nunca foi fácil. Os registos mais antigos do blog datam de 2 Outubro de 2003, onde estão publicados vários posts que terão sido escritos anteriormente. Em cerca de dois anos e meio terão sido publicados 1246 posts. Obtive este número somando os números que constam no blog na lista do “Arquivo por Secções”. Caso alguns posts tenham sido classificados em mais que uma categoria este número estará inflacionado. O que quero salientar é o ritmo impressionante de publicação da Joana, no mínimo diário. E não se tratavam de posts curtos, pelo contrário, a sua dimensão era quase sempre bem longa em relação ao que é costume encontrar nos blogs e mesmo em jornais, não raras vezes.

Os posts sobre análise económica e política constituíam o grosso do Semiramis. Mas é justo distinguir os artigos sobre História onde a Joana nos mostrava que podíamos aprender alguma coisa com o passado se para isso estivéssemos dispostos. O estilo da Joana era directo, vivo, sem receios de infringir os cânones do politicamente correcto. Enfrentava sem temor e com lucidez os que a criticavam, frequentemente de forma insultuosa. No primeiro post de 2005 começa por escrever: «Neste início de ano venho aqui formular uma promessa, a mim própria e a quem me lê, gostando ou não: Não desisto.» Era uma mensagem clara para os alarves que pensavam que lhe dobravam o espírito com as suas manobras boçais.

Contudo, consta que a Joana na «vida real» não assumia a autoria do seu blog, supostamente para não prejudicar a sua vida profissional e, quem sabe, social. Não podemos saber ao certo as verdadeiras razões deste recato. A Joana defendia insistentemente a liberdade, a redução do peso do estado, a urgência em realizar reformas e desmontava as falácias do intervencionismo. Até que ponto vivemos numa sociedade doente quando ideias como estas dificilmente podem ser defendidas em público sem receber-se de imediato um conjunto de insultos como reaccionário, «neo-liberal» ou fascista. Essa mesma sociedade onde se manifesta cada vez mais o xenofobismo (sobretudo anti-semita e anti-americano), onde o terrorismo é olhado com uma complacência cada vez maior e onde os ditadores progressistas não são poupados a elogios.

Nos próximos posts mais sobre conteúdo do Semiramis.
MC
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