domingo, dezembro 31, 2006

Jean-François Revel (24)

CONCLUSÃO

Chega aqui ao fim a série de posts dedicada a Jean-François Revel, desaparecido em 2006. Inicialmente estava pensada a abordagem de vários livros para dar uma panorâmica geral da obra do autor. A própria dinâmica dos posts e o seu avolumar levou a fazer uma escolha de apenas dois livros. Contudo, outros contributos relevantes de Jean-François Revel poderão ser incluídos noutra série de post já prevista sobre Orwell, Mises e Hayek, que, por isso, terá de ver o seu nome reformulado.

“O Conhecimento Inútil” relata a tragédia do desaproveitamento do conhecimento no século XX, apesar da sua acumulação. Analisa os protagonistas deste extermínio intelectual e as suas consequências. Mais de um quarto de século depois de ter sido escrito, o livro mantém toda a actualidade na essência mas os exemplos fornecidos irão parecer distantes a muitos. “A Obsessão Antiamericana”, pelo contrário, analisa um fenómeno actual, que todos podemos ver em acção nas mais variadas formas. A relevância deste livro vai muito além de um “esclarecer a verdade”. Não é o futuro dos americanos que está em causa, mas enquanto a Europa se ilude com o antiamericanismo evita resolver os seus problemas mais graves.

O CONHECIMENTO INÚTIL
JFR (1): O CONHECIMENTO INÚTIL – INTRODUÇÃO
JFR (2): CIVILIZAÇÃO E INFORMAÇÃO
JFR (3): A MENTIRA E O GRANDE TABU
JFR (4): SOBRE O RACISMO
JFR (5): A IDEOLOGIA
JFR (6): O PAPEL DOS JORNALISTAS
JFR (7): A TRAIÇÃO DOS PROFESSORES
JFR (8): OS INTELECTUAIS
JFR (9): OS INTELECTUAIS E A IDEOLOGIA


A OBSESSÃO ANTIAMERICANA
JFR (10): A OBSESSÃO ANTIAMERICANA
JFR (11): ALGUMAS CONTRADIÇÕES DO ANTIAMERICANISMO
JFR (12): ANTIGLOBALIZAÇÃO E ANTIAMERICANISMO (I)
JFR (13): ANTIGLOBALIZAÇÃO E ANTIAMERICANISMO (II)
JFR (14): ANTIGLOBALIZAÇÃO E ANTIAMERICANISMO (III)
JFR (15): PORQUÊ TANTO ÓDIO… E TANTOS ERROS
JFR (16): A PIOR SOCIEDADE QUE JAMAIS EXISTIU (I)
JFR (17): A PIOR SOCIEDADE QUE JAMAIS EXISTIU (II)
JFR (18): A PIOR SOCIEDADE QUE JAMAIS EXISTIU (III)
JFR (19): A EXTINÇÃO CULTURAL
JFR (20): O «SIMPLISMO» DOS DIRIGENTES EUROPEUS EM MATÉRIA DE POLÍTICA INTERNACIONAL
JFR (21): A AMÉRICA – BODE EXPIATÓRIO (I)
JFR (22): A AMÉRICA – BODE EXPIATÓRIO (II)
JFR (23): O ANTIAMERICANISMO COMO PRINCIPAL OBREIRO DA SUPERPOTÊNCIA


MC
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Jean-François Revel (23)

O ANTIAMERICANISMO COMO PRINCIPAL OBREIRO DA SUPERPOTÊNCIA

«A obsessão antimericana tem como consequência suscitar e agravar o mal, ou o inconveniente, que pretende combater, ou seja o «unilateralismo» de que os Estados Unidos são acusados. Com efeito, à força de criticar os americanos em todas as ocasiões, façam estes o que fizerem e mesmo quando têm razão, nós europeus, que não somos os únicos mas que estamos na primeira linha dessas críticas, levamo-los a ignorar as nossas objecções mesmo quando são pertinentes.»

O aumento de subsídios a agricultores americanos em 2002 é bastante criticável, mas é caricato ser a Europa a fazer esta censura quando tem uma Política Agrícola Comum que atribui mais subsídios ainda, especialmente em França. Estariam os europeus a criticar o proteccionismo americano que eles próprios aplicam? Contudo, a opinião pública é quase unânime em considerar a globalização de mercados prejudicial aos países pobres e só servir os interesses americanos. Se assim fosse, este aumentar de proteccionismo devia ser aplaudido porque é um fechar e não abrir de mercados.

A anunciada retoma da construção do escudo antimissíl em 2001 por George W. Bush também mereceu reprovação generalizada, sobretudo devido a dois argumentos. Primeiro argumenta-se que o projecto é irrealizável, nunca funcionará. O segundo é que o escudo iria alterar o equilíbrio de forças estabelecido pelo Tratado ABM de 1972 e levar a uma corrida ao armamento. Podíamos logo perguntar como é que algo que seguramente não funcionará pode levar a uma corrida ao armamento. Mas há um não querer perceber que o escudo defensivo já não deve ser interpretado à luz de uma lógica ultrapassada de Guerra-fria mas num contexto em que grupos terroristas e Estados pária constituem ameaças concretas e nunca se submeterão a qualquer controlo. «A cegueira voluntária demonstrada pelos Europeus perante estas modificações radicais torna inútil para a América qualquer tentativa de diálogo com eles sobre estas questões e leva-a, naturalmente, a agir ainda mais unilateralmente. Como é que se pode discutir um problema com pessoas que negam a sua existência?»

«Decididamente, a «esquerda» europeia não aprendeu nada com a história do século XX. Continua a mostrar-se fanática para com os moderados e moderada com os fanáticos.»

MC
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Jean-François Revel (22)

A AMÉRICA – BODE EXPIATÓRIO (II)

Impulsionados pela governação de Ronald Reagan, os Estados Unidos tiveram taxas de crescimento nas últimas duas décadas do século XX que alargaram o fosso em relação à Europa. No velho continente, quando não se consegue esconder este facto, tenta-se ao menos denegri-lo, argumentando que se trata de um crescimento devido ao «ultraliberalismo» que empobreceu o povo americano e apenas beneficiou uma minoria de ricos, que era supostamente o único objectivo da administração Reagan com a sua reforma fiscal.

Estas mentiras deliberadas têm duas funções. Primeiro, impedir ou adiar ao máximo a aplicação de medidas semelhantes nos países europeus. Em segundo lugar, esconder o fracasso relativo da Europa, fazendo constantes apelos à sua superioridade moral. Mais ainda que esconder este fracasso relativo, tenta-se também abafar um fracasso ainda mais profundo do modelo social europeu, que conduziu a um grande aumento do desemprego sem corrigir as desigualdades sociais. Um modelo social que oferece um sistema de reformas condenada a prazo enquanto promove o aumento da criminalidade e da insegurança.

À distância, alguns analistas concedem que a política fiscal de Reagan beneficiou toda a sociedade americana, apesar dos seus objectivos serem apenas o benefício dos poderosos. Mas nem isto é verdade, a redução de impostos incidiu sobre todas as classes sociais mas sobretudo na classe média e na dos baixos rendimentos. Foram os ricos a suportar uma maior fatia do orçamento de Estado. Trata-se de uma matéria de números, que se pode comprovar com toda a facilidade e sem grande margem para interpretações. Mesmo alguma esquerda americana não consegue esconder isto. O que nos cabe perguntar é o porquê de na Europa ter sido propagada uma visão dos acontecimentos totalmente oposta à realidade, com a excepção de algumas publicações especializadas.

Se a maioria das pessoas não tem tempo nem vontade de se especializar em matérias económicas, a função do esclarecimento das massas não devia ficar a cargo de políticos e jornalistas? Será que não o fazem por simples desinteresse de tudo o que é americano? Crítica que, aliás, costumam fazer ao jornalismo americano. Mas tal não pode ser verdade, porque sempre que há uma má notícia vinda dos EUA há uma curiosidade galopante em esmiuçar todos os pormenores. Uma pequena subida da taxa de desemprego americana é motivo de regozijo na Europa, apontando-se logo o facto como a prova do fracasso no modelo neoliberal americano. É a total ausência do ridículo, porque mesmo quando o desemprego dos EUA sobe (e trata-se de desemprego de curta duração na grande maioria das situações), ainda assim situa-se bem abaixo da média europeia.

A falta de informação, tantas vezes veiculada pelos “meios de informação”, passa continuamente a ideia de uma América «ultraliberal», quando os governos americanos sofrem frequentemente de debilidades semelhantes às encontradas na Europa. Em ambos os casos há o assédio dos grupos de pressão que visam extorquir subsídios, isenções e protecções de toda a ordem. Contrariamente à opinião europeia, nos EUA os lobbies mais poderosos não são os das grandes empresas. A maior parte dos americanos (7 em cada 10) pertencem a uma ou mais associações que fazem «lobby», que podem ser de sectores tão diversos como o dos reformados, agricultores, hoteleiros e, claro, funcionários públicos. Como dizia Bastiat: «Há duas formas de enriquecer. Uma é produzindo mais. A outra é apropriando-se cada vez mais daquilo que os outros produzem.» Com o objectivo de satisfazer nobres valores, como o interesse geral ou a solidariedade social, os benefícios acabam inevitavelmente por ser bem mais particulares. O resultado é um bloqueamento das democracias e a subida de impostos. Desde o New Deal de Roosevelt, a política que se tem aplicado nos EUA é a social-democracia, por muito que a esquerda europeia queira fazer ver o contrário. Mas mesmo para estes a social-democracia já é uma traição ao socialismo porque já não pretende mudar de sociedade mas apenas a sociedade.

MC
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sábado, dezembro 30, 2006

Jean-François Revel (21)

A AMÉRICA – BODE EXPIATÓRIO (I)

A única crítica constitutiva aos EUA apenas existe, e é salutar, na própria América. «Por seu lado, o antiamericnismo assenta numa visão totalizadora para não dizer totalitária, cuja cegueira passional se reconhece pela ânsia de denegrir no objecto da sua execração tanto uma determinada conduta como o seu contrário, apenas com alguns dias de intervalo e, por vezes, até em simultâneo.» Segundo esta visão, «os americanos apenas cometem erro, todos os seus actos são crimes, só dizem disparates, são culpados de todos do desaires, de todas as injustiças, de todo o sofrimento do resto da humanidade.»

O antiamericanismo é sobretudo um fenómeno de elites, muitas delas expostas ao fundamentalismo religioso ou às doutrinas marxistas. Mas já na Europa do século XIX a direita intelectual tinha a mesma postura crítica. Já na altura estava bem viva a tradição de criticar sem base em qualquer facto ou observação presencial, apenas na base do preconceito.

A ânsia de lucro que supostamente os americanos possuem faz esquecer que neste país o mecenato não tem paralelo, com o financiamento a museus, universidades, óperas e orquestras. Mas se a determinada altura diz-se que os americanos não tinham qualquer cultura, no momento seguinte já se fazem acusações ao «imperialismo cultural americano.» Foram os EUA, 50 anos antes da França, a instituir a educação elementar obrigatória, em 1832, primeiro em Nova Iorque e rapidamente nos outros estados. Só em 1944 foi dado o direito de voto às mulheres em França, quando em 1920 ele já estava completamente instituído nos EUA, remontando as primeiras experiência a 1869 no Wyoming.

«Se o Bem, ao qual esse mesmo socialismo prestava culto já soçobrou, resta-lhe pelo menos o consolo de poder continuar a execrar o Mal que era a sua antítese. Ai de quem lhe procure subtrair o seu Lúcifer de serviço, a sua derradeira bóia de salvação ideológica.»

«Que coisa estranha: é sempre na Europa que nascem as ditaduras e os regimes totalitários, mas é sempre a América que é fascista!» O segundo candidato mais votado nas últimas eleições francesas foi um populista de extrema-direita mas é a democracia americana que está em causa! «Que a França aprenda finalmente a ver-se tal como é, dotada de uma Constituição implacável e moribunda, um Estado incapaz de impor o respeito pela lei e que apenas sabe dizer uma coisa: «Aplico impostos e promovo a redistribuição», uma comunidade intelectual cada vez mais cega no que se passa no mundo e uma população cada vez menos laboriosa, persuadida de que pode sempre ganhar mais desde que vá mais longe nas estudos e trabalhe menos.»«Para que os disparates e o sangue desapareçam da Europa, é preciso que os Estados Unidos, ao arrepio de todos os ensinamentos da verdadeira história, surjam como o único perigo que a ameaça a democracia. Mesmo nos tempos da Guerra Fria, a União Soviética e a China podiam à vontade anexar a Europa Central ou o Tibete, atacar a Coreia do Sul, subjugar os três países da Indochina, reduzir à condição de satélites diversos países africanos ou ainda invadir o Afeganistão, que para os europeus, desde a Suécia à Sicília, e de Atenas a Paris, o único «imperialismo» que existia era o americano.»

MC
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Jean-François Revel (20)

O «SIMPLISMO» DOS DIRIGENTES EUROPEUS EM MATÉRIA DE POLÍTICA INTERNACIONAL

Quando Bush introduziu a expressão «eixo do mal», para designar os países suspeitos de auxiliarem o terrorismo internacional, as reacções europeias não foram muito diferentes das ocorridas 20 anos antes em reacção ao «império do mal», como Ronald Reagan chamou à União Soviética. Risotas condescendentes e reprovadoras que esquecem o conteúdo, analisando unicamente a forma. De forma simbólica, Bush disse ao mundo que dali para a frente o terrorismo teria de ser um elemento novo a ter em conta.

«No que respeita ao unilateralismo [americano], para que ele não existisse, ou seja, para que não houvesse uma política definida por um só lado, era necessário que existisse um outro lado capaz de propor e de implementar acções estratégicas concretas adaptadas às novas ameaças em vez de se limitar a resmungar litanias desaprovadoras. (…) Uma vez mais, em lugar de enfrentarem o perigo os europeus preferiram negar a sua existência. Que erro! O que está à vista, e em ascensão constante desde o início dos anos 1980, é um terrorismo novo, dirigido por grupos muito bem organizados e quase de certeza albergados e ajudados por Estados.» Durante a Guerra Fria, «se os Estados Unidos não tivessem usado um mínimo de «unilateralismo» nas suas relações com os eternos «conselheiros» europeus, o império soviético ainda teria durado mais tempo. Os povos oprimidos sabem-no bem, por isso colocam Ronald Reagan na galeria dos seus benfeitores.» Como podem não ser os americanos unilaterais quando «os europeus rejeitam sistematicamente como falsas as análises feitas pelos Estados Unidos e recusam qualquer associação com os políticos que as partilham.»

As hipóteses europeias parecem ser formuladas em função da sua impotência. «A teoria de que o terrorismo resulta unicamente das desigualdades económicas e da pobreza no mundo, não resiste a qualquer análise. A maioria dos terroristas provém de meios abastados dos países islâmicos mais ricos, tendo muitos deles seguido cursos universitários no Ocidente. A ponte do novo «hiperterrorismo» é essencialmente ideológica: é o extremismo islâmico.» O combate à pobreza faz-se espalhando um conjunto de valores como o liberalismo económico, a igualdade entre homens e mulheres e a educação laica. O terrorismo islâmico baseia-se numa ideologia que se opõe a tudo isto. «Como se vê, o «hiperterrorismo» vem buscar à nossa civilização moderna os meios tecnológicos para tentar suprimi-la e para a substituir por uma civilização mundial arcaica que corresponderia à generalização da pobreza e a negação de todos os nossos valores.»

«Durante vinte anos, e sem que as polícias e os governos desses países se apercebessem do seu verdadeiro alcance, desenvolveram-se células terroristas islâmicas nos Estados Unidos, em França, na Grã-Bretanha, na Bélgica e na Alemanha. A ilação que as potências terroristas islâmicas não deixaram de retirar daí foi que podiam intensificar a guerra sem temor de qualquer réplica.»

MC
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Jean-François Revel (19)

A EXTINÇÃO CULTURAL

«A ideia de que uma cultura preserva a sua identidade erguendo barreiras contra as influências estrangeiras é uma ilusão estafada que sempre resultou ao contrário do pretendido. Não se pode ser diferente sozinho. É a livre circulação das obras e dos talentos que permite a perpetuação das culturas pelo acto de renovação. O isolamento apenas engendra a esterilidade, como se demonstra pelo velho paralelismo entre Esparta e Atenas.»

«Na prática, e por toda a Europa, mas sobretudo em França, tanto a excepção como a diversidade culturais são nomes de código para subsídios e para quotas limitativas. A eterna cantilena de que «os bens culturais não são simples mercadoria» não passa de um chafurdar na vulgaridade. Quem é que disse tal coisa? Mas também não são o produto simples dos financiamentos do Estado, ou então a pintura soviética seria a mais bela do mundo. (…) Se é verdade que por vezes o talento precisa de auxílio, também é verdade que o auxílio não dá talento a ninguém.»

Quem critica a produção americana televisiva e cinematográfica de só reger-se pelo lucro e nunca ter coragem de enfrentar temas difíceis, engana-se. No meio de muitas vacuidades, os americanos nunca se furtaram a debater temas difíceis. Ainda o caso Watergate estava quente e já havia uma série televisiva sobre o assunto. Na Europa os escândalos conhecidos nunca são abordados e aquilo que mais se critica os americanos, a vacuidade e a bovinidade, resume quase toda a produção televisiva europeia.

Os receios de que a globalização conduza à americanização do mundo partem do princípio que não há nada de bom que os EUA possam oferecer ao mudo. Apontam alarmados para os restaurantes Mac Donald’s que se espalham por toda a parte. Parecem não querer ver que não é apenas o “fast food” americano que se consegue encontrar facilmente mas também comida italiana, francesa, alemã, do médio oriente, tailandesa, chinesa, japonesa, brasileira, mexicana, da argentina… A globalização não diminuiu a diversidade, pelo contrário, aumentou-a bastante.

Alguns intelectuais franceses classificaram a Disneylândia de Paris como um «Chernobyl cultural». «Deste modo, o ódio contra os americanos é levado ao extremo de se transformar em ódio contra nós próprios. (…) Mas não é preciso ser senhor de grande erudição para perceber que grande parte dos temas inspiradores de Walt Disney, sobretudo as grandes metragens, se socorrem de fontes europeias [Pense-se na Branca de Neve e os Sete Anões, Pinóquio, A Bela Adormecida, A Ilha do Tesouro.]»

A difusão da língua inglesa causa pavor por ser considerada uma causa da diminuição da diversidade cultural. Antes de mais, não é por alguém utilizar o inglês que passa a ter «um conhecimento profundo, nem sequer superficial da cultura e do pensamento anglo-americano, nem que estes substituam aos da origem de cada um.» Por outro lado, não é necessário saber uma única palavra de russo ou japonês para sentir-se impregnado por estas culturas. E tal como nos restaurantes, a globalização não colocou apenas mais gente a aprender inglês mas também castelhano, alemão, mandarim, russo, árabe ou japonês. E também mais gente comum a viajar para locais remotos a preços relativamente modestos, antes apenas acessíveis aos ricos.

É argumentado que o inglês tem servido para degradar outra línguas, invadindo-as. Devia existir uma interrogação sobre os motivos desta permissividade, que advém de causas internas. Quando uma língua se degrada e fica entregue a intelectuais estéreis começa a ter um grande número de expressões bastardas, que ela própria não consegue, por esclerose, encontrar melhores alternativas. «O verdadeiro perigo de morte para a cultura europeia, originado pela fobia antiamericana e antiglobalização, é a rejeição do progresso.» Se a Europa seguisse inteiramente esta via iria regredir décadas. «Os fanáticos do antiamericanismo e teriam então conseguido colocar a Europa numa situação de dependência em relação aos Estados Unidos ainda maior do que a de hoje.»

MC
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sexta-feira, dezembro 29, 2006

Jean-François Revel (18)

A PIOR SOCIEDADE QUE JAMAIS EXISTIU (III)

As dezenas de milhões de estrangeiros que emigraram para os EUA nos últimos 150 anos, «em particular 35 milhões, na sua maioria europeus, que para lá foram viver entre 1840 e 1924, eram todos uns imbecis chapados. Qual terá sido a miragem que os enganou, geração após geração, ao ponto de abandonarem as terras de abundância, de paz e liberdade onde nasceram para se irem perder na selva americana, onde, a crer no que se hoje ainda se escreve na imprensa europeia, não tinham a esperá-los mais do que a pobreza, a discriminação racional, as desigualdades crescentes entre os ricos e os mais «desfavorecidos», a submissão desumana ao lucro capitalista, a total ausência de protecção social, as violações constantes dos direitos do homem, a ditadura do dinheiro e o deserto cultural?»

Se o «sonho americano» era uma amarga ilusão que pode ter enganado os primeiros imigrantes que chegaram aos EUA, não se percebe como isto ainda se mantém nos dias de hoje. Estes imigrantes não escreviam às suas famílias alertando-as para não se lhes juntarem àquele horrível lugar? «Na realidade, o que está na base do sucesso e da originalidade da integração à maneira americana é justamente a possibilidade de os descendentes dos imigrantes poderem perpetuar as suas culturas ancestrais sem por isso deixarem de se sentir plenamente americanos.»

Na França, que tanto crítica este modelo de integração à «americana», durante muito tempo verificou-se uma integração harmoniosa de portugueses, espanhóis, italianos, polacos ou arménios. Contudo, a imigração turca, africana ou do Magreb é marcada pelo ódio, pela ruptura e pela rejeição, mesmo numa segunda geração já quase totalmente naturalizada francesa. Christian Jelen num estudo sobre a emigração francesa aponta algumas respostas para este fracasso:

- As famílias não conseguem exercer qualquer autoridade sobre as suas crianças que vagueiam sem rumo pelas ruas;

- Os responsáveis políticos tentam sempre absolver os crimes destas comunidades, como o incêndio de viaturas, ataques a outras comunidades, em especial a judaica, ou mesmo fechando os olhos à poligamia;

- Uma contribuição importante esteve no ensino e as suas pedagogias do Maio de 68, que desvalorizam a escola como meio de integração.
A má integração das comunidades imigrantes na Europa deriva grandemente de políticas influenciadas por ideologias esquerdistas, cujos defensores não se cansam de criticar a sociedade americana por ser individualista, constituída por pessoas sem raízes culturais, conformistas e que nem agem nem pensam livremente. Em suma, criticam aquilo que construíram na Europa. Qualquer tentativa de melhorar a situação provoca um cerrar de fileiras entre políticos e jornalistas progressistas, que apelidam as medidas propostas de racistas, fascistas ou, talvez o pior insulto da actualidade, à «americana».

MC
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quinta-feira, dezembro 28, 2006

Jean-François Revel (17)

A PIOR SOCIEDADE QUE JAMAIS EXISTIU (II)

Os sistemas de ensino primário e secundários americanos são motivo de zombaria. Os principais acusadores não estão certamente interessados em contribuir para a resolução dos problemas americanos neste domínio. São os mesmos que na Europa, especialmente em França (e em Portugal a situação é idêntica) conseguiram através de pressões ideológicas, exercidas desde 1970, interditar dois “abusos”: o ensino e a disciplina. Por um lado proliferam os métodos de ensino alternativos, que não só recusam a memorização de conhecimentos como o próprio raciocínio. Talvez ainda mais grave é a indisciplina que não pára de aumentar e a consequente ocorrência de actos de violência rotineiros sobre alunos e professores. Estes últimos estão sem instrumentos que possam recorrer para aliviar a situação. Nas turmas incontroláveis, cujo número alastra, os rebeldes são os alunos que tentam aprender e esta insurgência é frequentemente recompensada com uma carga de porrada.

A venda livre de armas nos EUA não é seguramente algo a seguir. De referir, em primeiro lugar que nos EUA o registo é obrigatório e quem quiser obter uma licença de porte de arma têm de deixar registadas as suas impressões digitais. Mais uma vez fica patente a falta de humildade no lado europeu mesmo quando critica de forma acertada o «modelo americano» porque quer fazer esquecer o tráfego ilegal de armas cada vez maior por cá, enquanto as forças policiais desesperam por terem cada vez menos meios de combate ao crime. Em França a violência étnica é constantemente dissimulada para se evitar críticas de racismo e onde a violência de carácter ideológico de José Bové é absolvida através de pressões do poder político sobre o judicial.

A sociedade americana ainda é vista como sendo bastante racista. Se um nova-iorquino diz-nos que é irlandês, italiano, judeu ou árabe, não está aí implícito um repúdio à nacionalidade americana, ao contrário do que acontece na Europa. A elite progressista americana tentou estilhaçar o “melting pot” ao pregar o multiculturalismo e reivindicar «o direito de cada comunidade étnica à sua própria «identidade», considerando a americanização como uma forma de opressão.» Esse multiculturalismo, em grande medida rejeitado nos EUA, acaba por ser aplicado na Europa, em especial na França. No caso particular das comunidades magrebinas, esta “pedagogia” de integração em nome da excepção cultural nega a cultura francesa e nem as múltiplas ajudas políticas impedem o aumento do desprezo dos muçulmanos por tudo o que é francês, nomeadamente as leis da república.

(Cont.)
MC
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terça-feira, dezembro 26, 2006

Jean-François Revel (16)

A PIOR SOCIEDADE QUE JAMAIS EXISTIU (I)

Segundo a opinião dominante na Europa, os americanos não só estão totalmente errados naquilo que fazem a nível internacional como em termos internos são «o pior grupo de seres humanos que jamais houve noticia.» Jean-François Revel apresenta-nos a forma como os franceses vêem os americanos, o que não deve divergir muito da apreciação feita pelos portugueses:

- Os americanos regem-se apenas por um valor: o dinheiro. Tudo o resto é-lhe subordinado, tudo se vende e se compra, todos os presidentes estão vendidos aos grandes interesses;

- Na América reina o capitalismo selvagem, os pobres são cada vez mais numerosos e mais pobres e os ricos cada vez mais ricos. As limusinas de vidros opacos passam ao lado de hordas de miseráveis e esfomeados;

- Não existe qualquer sistema se segurança social nos EUA, nem subsídios de desemprego, nem reformas, só os ricos têm cuidados de saúde e só eles podem estudar nas universidades privadas;

- Os americanos são burros, os sistemas de educação primário e secundário são nulidades, além de que só uma elite pode frequentar a universidade;

- Na América reina a violência, florescem os guetos derivados do racismo, onde várias minorias étnicas são oprimidas pelos brancos, tudo sendo agravado pela venda livre de armas, que tem como consequência rotineira a ida de adolescentes à escola com o intuito de matar alunos e professores;

- Os americanos só elegem atrasados mentais para presidentes, Bush, Reagan Truman, Cárter, sendo o menos mau Kennedy e por isso foi assassinado;

- Os EUA são só uma democracia na aparência.

«Tais enormidades reflectem mais os problemas psicológicos de quem as profere do que os defeitos da sociedade que procuram denegrir.»

Em relação à suposta falta de protecção nos EUA, não é por neste país não existir um modelo de descontos obrigatórios para reformas que estas deixam de existir, já que a maior parte da população está coberta por seguros com prémios repartidos entre patrões e empregados. Os dois modelos têm vantagens e desvantagens mas durante décadas a Europa limitou-se a adoptar uma postura arrogante por achar que o seu modelo era automaticamente superior por não ser privado e afastar qualquer possibilidade dessa coisa horrível que é o lucro. Hoje em dia é o modelo europeu que está em crise devido a manifestas injustiças que provoca, além da sua sustentabilidade ser bastante duvidosa face à evolução demográfica ocorrida. Mas já em 1930 Rosselvet tinha instituído uma “social security” que garante reformas a quem não esteja coberto por seguros. Em termos de cuidados de saúde, só quem não conhece a existência dos programas públicos Medicaid e Medicare, cujo financiamento público representa uma porção do PIB do que é gasto na Europa na saúde, pode achar que a saúde é só para os ricos.

A alegação de que os EUA não são uma autêntica democracia não tem qualquer suporte. O sistema de separação de poderes (“checks and balances”) funciona bem melhor que em todos os países ocidentais. A liberdade de expressão é maior que em qualquer outro país e os americanos são bem mais críticos em relação a si mesmos que a maior parte dos intelectuais de outros países em relação a si próprios. Apesar de só existirem dois grandes partidos, o espectro político que abrangem é praticamente idêntico ao de qualquer outro país ocidental. Os americanos são chamados a votos muito mais vezes que os cidadão de outros países, não só para eleger políticos mas também juízes e xerifes, além de existirem constantes referendos. As contas públicas americanas são escrutinadas com um rigor sem paralelo.

Os EUA têm problemas de violência, sem dúvida, mas existe logo uma confusão na interpretação das estatísticas que ficam empoladas quando se procuram “crimes” (que inclui todo o tipo de delitos) e não “murders”, o equivalente aos nossos crimes. Os americanos têm assumido o seu problema de violência e por isso têm feito para o combaterem e assim conseguido diminuir a delinquência e a criminalidade nos últimos 20 anos, enquanto a Europa tem seguido a tendência inversa. O exemplo de maior sucesso foi o de Rudolph Giuliani em Nova Iorque, que foi ridicularizado (Giussolini) pela sua política de «tolerância zero» até se tornarem evidentes os bons resultados. «O antiamericanismo serve de desculpa à ineficácia governamental, ao subdesenvolvimento e à trapaça delinquente. Desde que se afaste o «modelo americano» a escolha é boa, não vá acontecer alguma desgraça.»

(Cont.)

MC

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segunda-feira, dezembro 25, 2006

Jean-François Revel (15)

PORQUÊ TANTO ÓDIO… E TANTOS ERROS

Jean-François Revel era da opinião que «os erros dos americanos têm consequências tanto mais nefastas quanto maior é a sua hegemonia.» Por isso é não só importante como imperativa a denúncia dos verdadeiros erros. A preocupação dominante é outra, com um discurso parcial que dá a sensação de procura de desforra, por isso «os americanófobos põem em pé de igualdade os terroristas e os que decidem resistir-lhes.» A guerra no Afeganistão foi criticada pelos pacifistas por ter sido uma réplica, quando eles pediam uma negociação política com os terroristas. Nos dias seguintes ao 11 de Setembro surgiram as primeiras ideias de que os EUA tinham culpa nos atentados por serem geradores de pobreza e por apoiarem Israel.

A ideia dominante afirma que o terrorismo contra os americanos deve-se ao avolumar de pobres no mundo. Trata-se de um erro triplo. Em termos percentuais, o número de pobres tem diminuído nas últimas décadas e não aumentado. Os locais onde a pobreza se tem mantido ou aumentado são precisamente aqueles que menos têm interagido com os EUA. Por último, o terrorismo nunca foi uma arma dos pobres, tendo sempre surgido em locais de relativa abastança e associado a causas nacionalistas, ideológicas ou religiosas.

O que distingue um terrorista de um resistente? Uma situação em que se pode considerar o uso a violência mais legitimado é no combate a uma ditadura totalitária, em especial se suportada por um exército estrangeiro. Contudo, grupos terroristas como a ETA, o IRA, as Brigadas Vermelhas ou o Sendero Luminoso operam em regimes democráticos onde se podem expressar e ir a votos. «Os militantes destes movimentos foram sempre minoritários nas urnas e se mataram, ou ainda matam, é por falta de capacidade de convencer. Têm por inimigo a democracia, não a tirania. Com o resistente passa-se exactamente o inverso. Eis um critério simples e claro para definir o terrorismo. Em vez de libertar, submete. A outra característica do terrorismo reside no facto de tomar como alvo principalmente cidadãos comuns e indefesos.» Há ainda a ilusão de ser possível negociar com o terrorismo se compreendermos as suas motivações. Acontece que os objectivos do terrorismo são «vagos e infinitamente extensíveis, sem que se possa encontrar um elo de ligação racional entre esses objectivos e os meios usados para a sua prossecução.»

Especialmente depois do 11 de Setembro tem sido cultivado o mito do Islão tolerante e moderado. Dizer que o Corão não justifica a violência em caso algum é ignorar as múltiplas passagens que instigam ao contrário. Ao invés de ser tolerante, o Islão pede sim é tolerância para si mesmo enquanto acha que não deve respeitar mais nenhuma religião. Há também o mito de que o grosso dos muçulmanos condena o terrorismo, mas são inúmeras as manifestações que o apoiam e a condená-lo são quase inexistentes. «Se existem [os moderados], não se fazem ouvir. Os dirigentes políticos muçulmanos que no Paquistão e na Arábia Saudita condenaram os atentados por razões políticas e estratégicas, pagaram essa temeridade com a perda de popularidade nos respectivos países.»
«O que os integristas censuram na nossa civilização não é o que ela faz, é o que ela é, não são os aspectos em que ela falha, são os aspectos em que triunfa. Assim, todas as cantilenas sobre a necessidade de se encontrar uma «solução política» para o terrorismo islâmico assentam sobre a ilusão de que tal remédio possa existir num universo mental irremediavelmente afastado da realidade.» Os textos que circulam na comunidade islâmica a exortarem o terrorismo deviam elucidar-nos sobre alguns pontos. Não são apelos feitos por ignorantes com o objectivo último de obter ajudas para combater a pobreza. Pelo contrário, são escritos por indivíduos com formação universitária que defendem o uso de meios violentos para o derrube de regimes “sem Deus”e concomitante expansão mundial do Islão. A extrema-direita e a extrema-esquerda regozijaram com o 11 de Setembro e mesmo os círculos moderados na esquerda aconselharam os americanos a tirar uma lição destes atentados. As culpas acabam por ser atiradas também à globalização e ao neoliberalismo e assim, de forma indirecta, mais uma vez aos americanos. Com este atribuir de culpas, os EUA tornaram-se no único país (juntamente com Israel) que perdeu o direito à própria defesa.

MC
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domingo, dezembro 24, 2006

Jean-François Revel (14)

ANTIGLOBALIZAÇÃO E ANTIAMERICANISMO (III)

A preocupação dos antiglobalizadores não é o combate à pobreza, como afirmam, mas passar a ideia de que ela é criada pelo liberalismo e pela globalização. África foi o único local em que a pobreza subiu, não só em relação aos países ricos mas também em termos absolutos. Não por acaso, é o continente que tem ficado quase totalmente excluído da globalização. Mais que isso, é o continente em que muitos dirigentes educados na Europa vieram instituir regimes baseados nos modelos soviéticos e chinês depois da independência. Os inúmeros trabalhos que mostram isto acabam por ser inconsequentes porque «a honestidade nada pode contra a má-fé.» «Demonstrações inúteis, infelizmente, pois os falso amigos do Terceiro Mundo não querem de maneira nenhuma que os pobres matem a fome. O que verdadeiramente querem é imputar ao capitalismo uma miséria que, em África, é sobretudo filha do socialismo.»

«Para além das práticas fatais absorvidas dos kolkhozes soviéticos e chineses pelos dirigentes comunistas de África e da pilhagem desavergonhada tanto das ajudas internacionais como dos recursos internos pelas oligarquias locais, foram as guerras civis e entre estados, as guerras religiosas, os extermínios, o racismo entre tribos, os massacres e os genocídios que constituíram as principais, senão mesmo as únicas causas da queda das populações africanas no estado de indigência a que se encontram reduzidas.» Pede-se com frequência um novo Plano Marshall para África quando nos últimos 40 anos África tem vivido num «Plano Marshall permanente».

Sobre os manifestantes antiglobalização: «Estes «revolucionários sem revolução» não têm nenhum programa inteligível para substituir a globalização. A retórica que utilizam nem sequer apresenta a coerência fictícia das ideologias totalitárias de outrora. Enquanto vão berrando slogans, têm a ilusão de que estão a pensar. Enquanto devastam cidades e procuram impedir reuniões internacionais, têm a ilusão de agir.»

MC
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sábado, dezembro 23, 2006

Jean-François Revel (13)

ANTIGLOBALIZAÇÃO E ANTIAMERICANISMO (II)

Os manifestantes antiglobalização actuais e os activistas de 1968 partilham não só a visão marxista do mundo mas também a pretensão de que as manifestações de rua têm uma legitimidade superior à dos governos eleitos. É uma armadilha a que muita da esquerda (e direita, acrescento eu) não resiste. É natural a atenção dos políticos às manifestações, nem que seja por razões eleitoralistas, mas se começarem a actuar em função delas cedem numa chantagem que se irá intensificar até destruir os fundamentos da democracia. Quando a esquerda classifica a globalização de perniciosa, apenas pensa no mercado porque ela mesma sempre teve projectos globalizantes. Estão contra a globalização liberal mas a favor de uma planificada com maior intervenção estatal.

Opõem-se também a esta globalização porque o seu símbolo são os Estados Unidos. Contudo, a globalização começou bem antes da formação deste país. Existiram alguns esboços durante o Império Romano e a Idade Média, mas foi a partir do século XV que a Europa inaugurou a globalização no sentido moderno. Em termos formais, a actual globalização começou em 1941, em plena guerra, com a assinatura da Carta do Atlântico por Churchill e Roosevelt, que pugnava pela liberalização do comércio mundial. Em 1944 o secretário do tesouro de Roosevelt, Morgenthau, condenava publicamente políticas como o controlo de câmbios, desvalorizações e levantamentos de barreiras alfandegárias por gerarem depressão económica e guerra. O grande impulso da globalização foi dado pelas políticas liberalizantes de Reagan e Tatcher e pela derrocada do comunismo.

Uma crítica que se faz frequentemente aos EUA é a pretensão de serem uma nação eleita, encarregue de iluminar o resto do mundo. É bastante caricato haver governantes franceses fazerem críticas destas quando a França é pródiga em conceber verbalizações idênticas em relação a si mesma. Vários franceses de relevo propõem que a França faça esforços para ser ela a liderar a globalização, não esta que temos mas uma em que impere a «afirmação dos Estados contra as leis desenfreadas do mercado», segundo Lionel Jospin. A preponderância dos EUA nesta globalização é tida como o resultado da arrogância desta nação, quando é consequência natural de alguns eventos históricos, como as experiências económicas e políticas europeias entre guerras e a derrocada do comunismo. A Europa só devia queixar-se de si própria por não superar os EUA, como aliás era a sua intenção, uma vez que não lhe faltam recursos humanos e materiais. Contudo os americanos são bem mais eficazes, com melhor organização e capacidade de adaptação, invenção e inovação. São os preconceitos ideológicos que bloqueiam a Europa.
MC
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sexta-feira, dezembro 22, 2006

Jean-François Revel (12)

ANTIGLOBALIZAÇÃO E ANTIAMERICANISMO (I)

O movimento antiglobalização é um renovar da causa marxista, bem vincado na oposição à livre circulação de bens e serviços a pretexto de tal abertura conduzir a um empobrecimento global e à concentração do poder num número cada vez mais reduzido de capitalistas. Não se trata de um combate de ideias, se é que alguma vez o foi, já que os manifestantes limitam-se a espalhar o caos e a destruição por onde passam. A maior parte das pessoas nem se apercebe que é obrigada a contribuir para este espectáculo, a partir dos impostos que lhes são retirados de forma coerciva e transferidos para organizações, ironicamente chamadas não governamentais, que assumem-se como organizadoras do movimento.

Não é um acaso a ocorrência das manifestações antiglobalização coincidir com as datas das reuniões de governantes de países livres. Há uma clara tentativa de tentar impedir a reuniões pela intimidação. A violência que ocorre é justificada pela presença de grupos anarquistas minoritários, que estranhamente conseguem sempre persuadir a maioria “pacífica”. A vitimização não se fica por aqui já que as autoridades serão sempre acusadas de excesso de uso da força. O recurso à violência não se faz por esta ser a única opção que os manifestantes têm à sua disposição. A quase totalidade dos participantes provém de países democráticos, onde possuem direito de voto, de associação, onde podem criar partidos políticos e exprimir as suas ideias de forma pacífica. Mas o que os manifestantes pretendem é substituir a democracia pela força, tomar as rédeas do movimento anticapitalista que se confunde com a revolta antiamericana. «Os jovens que estão contra a globalização são na verdade ideologicamente velhos, fantasmas ressurgidos de um passado de ruínas e sangue.» Nem sequer procuram disfarçar, mostrando abertamente os símbolos da foice do martelo, a sigla das brigadas vermelhas ou as omnipresentes imagens de Che Guevara.

As contradições são evidentes. Atacando a liberdade política e económica, são os primeiros a aproveitarem-se delas, deslocando-se livremente para qualquer parte do mundo (que criticam) e desfrutam de um nível de vida em geral desafogado. Em Seatle manifestaram-se contra o capitalismo selvagem que supostamente só serve os ricos, quando o que estava a decorrer era precisamente uma reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) com o objectivo de definir regras para tornar as trocas internacionais menos selvagens. Essa mesma OMC que tanto diabolizam é a mesma que os países pobres tentam desesperadamente aderir com vista à saída das situações de miséria. O que os partidários da antiglobalização querem omitir é que os países pobres não querem menos mas sim mais globalização. Querem que os países abastados levantem as suas barreiras proteccionistas para poderem aumentar as suas exportações para o primeiro mundo.
MC
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sábado, dezembro 16, 2006

Jean-François Revel (11)

ALGUMAS CONTRADIÇÕES DO ANTIAMERICANISMO

Segundo Zbigniew Brzezinski, só existe uma superpotência mundial quando esta atinge o primeiro lugar em quatro domínios: económico, tecnológico, militar e cultural. Apenas os EUA cumprem estes requisitos, com a possível excepção do plano cultural em sentido restrito (literatura, pintura, música, arquitectura, etc.). Mas pensando em cultura de massas, não há nenhuma civilização que exerça tanto apelo aos jovens de todo o mundo como a americana. Este domínio é também reforçado pela utilização massiva do inglês e pelo prestígio de várias universidades americanas. A superpotência americana deriva da vontade e criatividade do povo americano, por um lado, mas também da derrota do comunismo, do enfraquecimento da Europa, de África e do Islão por culpas próprias. A Europa está sempre pronta a atirar culpas sobre os americanos mas não quer assumir quaisquer responsabilidades no estabelecimento do fascismo, do nazismo e do comunismo, nem do seu passado colonialista e caóticas descolonizações (por vezes simbólicas entregas de testemunho a forças marxistas). Após o término da Guerra-fria acontece o paradoxo dos EUA serem mais odiados por alguns dos seus aliados do que pelos adeptos do comunismo.

Apesar de existir uma enorme quantidade de informação fidedigna sobre os EUA, os meios de comunicação ocidentais esforçam-se por apresentar um retrato sobre este país o mais deturpado possível. São rotineiras as alegações de falta de protecção social, das taxas de pobreza (“esquecendo” mencionar como os valores são calculados), a apresentação dos casos de desemprego. Há uma grande contradição em descrever os EUA como um «amontoado de calamidades económicas, políticas, sociais e culturais» e ao mesmo tempo mostrar tanta inquietação com a riqueza deste país, «com a sua primazia nas áreas científicas e tecnológica, com a omnipresença dos seus modelos de cultura.» «Essa infeliz América devia inspirar muito mais piedade do que inveja e suscitar muito menos animosidade do que comiseração. Que enigma esse, o do sucesso do povo americano, inteiramente decorrente da sua nulidade e nunca, a nosso ver, dos seus méritos!» Censura-se o modelo económico e social americano, mas se a economia norte-americano abranda, todos esperam ansiosamente pela retoma que tudo arrastará consigo.

A incerteza dos resultados das eleições presidenciais de 2000 nos EUA levou a uma chuva de críticas sobre o sistema de delegados americanos. Não se percebem as razões deste sistema, um método de chegar ao voto útil, ser mais injusto que o sistema a duas voltas (Portugal e França) ou a uma só volta para a Câmara dos Comuns britânica, onde ganha o candidato mais votado, mesmo que por uma percentagem bem abaixo dos 50%. A imprensa europeia regozijou com o «folhetim» americano, o recurso aos tribunais, a eventual votação pela Câmara dos Representantes caso se tivesse verificado empate técnico, a recontagem de votos na Florida. Tudo isto não passou do cumprir dos preceitos constitucionais, a que os americanos assistiram de forma apaixonada mas sem sombra de tumulto. É fácil imaginar que em muitos outros países já se estaria à beira da guerra civil ou de um golpe de estado. Foi também mais um pretexto para criticar o constante recurso aos tribunais que os americanos fazem, como se isso desse origem a um governo de juízes. Para os europeus é negativo que o direito tenha primado sobre o Estado, o que evidencia bem a mentalidade estatista deste continente, que não vislumbra vantagens nos conflitos serem arbitrados de forma imparcial e só quando solicitados.

O Protocolo de Quioto é uma das armas de arremesso favoritas contra a administração Bush, que identifica o móbil do crime nos favores que Bush faz aos senhores do petróleo. Esquecem que já na presidência de Clinton o Senado tinha rejeitado o protocolo com 95 votos contra 0. Quatro anos depois de assinado o protocolo, nenhum dos 167 países ainda o tinha ratificado (entretanto já muitos o fizeram mas em geral isso não tem conduzido a uma diminuição das emissões). O movimento ecológico, dominado em grande parte por radicais esquerdistas, naturalmente não poupa críticas aos americanos, mas nunca se lhes viu uma palavra de censura aos crimes ecológicos de dimensões colossais dos regimes comunistas. Desta forma a ideologia ecológica só vê problemas onde existe liberdade económica. A contradição atinge o extremo quando os partidos “verdes” fazem parte de coligações de governo e não aplicam qualquer medida que implique coragem política, ao mesmo tempo que criticam falhas idênticas nos americanos.

MC
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quarta-feira, dezembro 13, 2006

Entrevista

Foi publicado no blog Kontrastes 2.0 uma curta "conversa" em que fiz de entrevistado. A ler aqui.
MC
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terça-feira, dezembro 12, 2006

A nossa Venezuela

A reeleição de Chávez foi muito sentida por cá, pela positiva e pela negativa. Em ambos os casos de forma exagerada, parece-me. Começando pelos críticos, estes dizem que a vitória foi alcançada através “da compra de votos”, na prática um conjunto de políticas populistas que não são sustentáveis a prazo, ao mesmo tempo criticando as alterações à constituição de forma nefasta para conduzir a nação rumo ao socialismo. Não são as críticas que me parecem exageradas mas sim o sentimento de agastamento. Porque o que Chávez tenta fazer na Venezuela não é já aquilo que acontece em Portugal? Desde há 30 anos para cá, não têm os partidos que ascenderam à governação aumentado o estado e implementado políticas distributivas? Os postos de trabalho garantidos pelo estado, muito para além das suas necessidades, e a constante atribuição de subsídios, não constituem também uma compra encapotada de votos? Não são também medidas que a prazo se tornam insustentáveis? E se Chávez muda a constituição rumo ao socialismo, em Portugal isso não é necessário porque temos uma constituição socialista desde a sua concepção.

Por outro lado, aqueles que vibram com a vitória de Chávez, como Mário Soares, fazem-no como reacção pavloviana, do género “quem diz que Bush é um idiota assassino só pode ser um iluminado digno de veneração”. É uma reacção de alegria exagerada porque Chávez só diz estas coisas porque sabe que há idiotas que lhe acham graça.
MC
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sexta-feira, dezembro 08, 2006

Jean-François Revel (10)

A OBSESSÃO ANTIAMERICANA



Os 9 posts anteriores desta série incidiram no livro “O Conhecimento Inútil”, que analisava o paradoxo da constante acumulação de conhecimento, acompanhada da tomada de decisões que o ignoram por sistema. Não chegamos ainda à situação descrita na fábula da centopeia, que por ter tantas patas nem sabe como coordená-las, ou seja, a má utilização do conhecimento não se deve ao seu avolumar a extremos incomportáveis para se conseguir decidir em tempo útil. Aliás, esta tendência não se verifica em todas as áreas e precisamente em domínios técnicos, mais complexos e onde o conhecimento se acumula a um ritmo alucinante, a informação disponível é aplicada de forma construtiva a cada momento. A má utilização do conhecimento dá-se por excelência em algumas áreas, como a política, a economia e em geral todas as áreas onde a ideologia consegue penetrar.

“A Obsessão Antiamericana” é um livro de 2002, que se pode quase considerar uma aplicação prática de “O Conhecimento Inútil”, abordando um tema que certamente se irá manter actual durante muito tempo. Dizia JFR que «A vida é um cemitério de lucidezes retrospectivas.» Temos em cada época a oportunidade de mostrar um pouco de lucidez, que é menos uma questão de inteligência que de coragem. «O mistério do antiamericanismo não está na desinformação, pois é fácil obter informação sobre os Estados Unidos, mas sim na vontade de ser mal informado.»

Quando se censuram os EUA de uma coisa e o seu contrário não estamos em presença de uma análise mas de uma obsessão. Um dos muitos exemplos disto era a crítica que se fazia aos EUA por se intrometerem em tudo e assumirem-se como polícias do mundo. Mas quando a administração de George W. Bush iniciou funções e deu a entender que não queria assumir mais as funções de bombeiro universal, especialmente no que dizia respeito ao conflito entre Israel e a Palestina, começaram a chover as críticas de isolacionismo, egoísmo, dos EUA estarem a fugir às suas responsabilidades.

É tentadora a ideia de que o antiamericanismo é um fenómeno recente porque se torna mais fácil encontrar uma justificação e tentar evitar confusões com a xenofobia. Para alguns o antiamericanismo só começou com o actual presidente Bush (um conjunto de historiadores classificou recentemente Bush filho como o pior presidente de sempre dos EUA. Uma vez que já ninguém vê necessidade de haver um distanciamento temporal mínimo para se fazer História, não será de admirar que esta disciplina passe também a dar palpites sobre o futuro por tudo e por nada.) É mais comum, no entanto, associar o antiamericanismo aos receios da hegemonia americana depois da derrocada da União Soviética, curiosamente por muitos que nunca recearem a possível hegemonia vermelha. As raízes do antiamericanismo são profundas na Europa, especialmente na França, estando intimamente ligadas à perda de influência mundial que o continente perdeu no século XX.

Existe um antiamericanismo que se pode classificar de “racional”, que é o nutrido pelos marxistas, porque estes associam os EUA ao capitalismo e este ao mal. A novidade dos tempos modernos é a adesão em massa a este movimento, mesmo por indivíduos que se acham bastante afastados dos ideais comunistas. Talvez não se apercebam que a verdadeira função da crítica aos EUA é atingir o liberalismo. Tudo começa com uma colagem abusiva dos EUA a um modelo liberal perfeito, mesmo que isso seja feito à conta de exemplos de práticas americanas completamente anti-liberais. Segue-se uma descrição totalmente fantasiosa dos EUA, que são descritos quase como uma ditadura fascista, repressiva e racista. A conclusão que querem que tiremos daqui será que o liberalismo conduz ao fascismo e por isso os “idiotas úteis” disparam com frequência insultos relacionados.

Há uma palavra que, creio, JFR nunca utiliza mas que penso explicar bastantes coisas: Inveja. Num trabalho anterior, “Nem Marx nem Jesus”, JFR defende a tese de que se existiu uma verdadeira revolução no século XX não foi a do socialismo, nem a dos seus sucedâneos europeus como o Maio de 68, mas sim a revolução liberal americana. Foram os EUA o laboratório da globalização liberal, que com o impulso da administração Reagan propagou-se além fronteiras. Assim, os EUA seguem-se a Atenas, Roma, Itália do Renascimento, França e Inglaterra do século XVIII. Ora, digo eu, isto provoca uma grande inveja, que também explica as reacções ao 11 de Setembro. Logo depois dos atentados seguiu-se a condenação geral do terrorismo, numa evidente formalidade não sentida. Pois bastaram alguns dias para se formar a opinião geral de que qualquer acção militar que os EUA pudessem tomar contra o terrorismo seria bem pior que o próprio terrorismo.

Os posts seguintes irão resumir os restantes capítulos de “A Obsessão Antiamericana.”

MC

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