quarta-feira, novembro 29, 2006

Os melhores da blogoesfera em 2006

Pela primeira vez, em quase 4 anos de discreta presença pela blogoesfera, escrevo um post onde indico aqueles que para mim se distinguiram neste meio de comunicação. A iniciativa insere-se na votação proposta pelo blog Geração Rasca.

Melhor Blog Individual Feminino:

Kafkiano
Miss Pearls
Eclético
Blogotinha
EspectacologicaS
Inacessível

Melhor Blog Individual Masculino:

Desesperada Esperança
My Guide to your Galaxy
Melhor Blog Colectivo:

Melhor Blog Temático:


Melhor Blog:

Blasfémias
O Insurgente
Desesperada Esperança
Small Brother
My Guide to your Galaxy
Combustões

Melhor Blogger:

João Miranda (Blasfémias)
Bruno Alves (
Desesperada Esperança)
Sérgio Santos (
My Guide to your Galaxy)
Miguel Castelo Branco (
Combustões)
André Azevedo Alves (
O Insurgente)
Rui de Albuquerque (
Blasfémias)

MC

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terça-feira, novembro 28, 2006

Imagens sem mácula

A morte do ex-espião russo Alexander Litvinenko levanta uma série de suspeitas, mas nada do que se poderia vir a saber constituiria grande surpresa. O envolvimento ao mais alto nível, até ao presidente Putin, é perfeitamente plausível. Putin tanto pode ter dado uma ordem directa, como deixar simplesmente a terceiros estas tarefas menores ou, na melhor das hipóteses, é culpado por não ter desmantelado efectivamente o antigo KGB. Claro que se assume que o homem foi assassinado por alguém dos serviços secretos russos. Mais que uma suspeita, o assassinato parece ter sido preparado para não deixar dúvidas, além de ser também um aviso bem sugestivo.

Ainda antes da morte de Alexander Litvinenko já o mundo era informado sobre as prováveis causas de envenenamento, tálium simples ou radioactivo foram as primeiras hipóteses mas os exames após a morte mostraram a presença de polónio-210 no organismo. Trata-se de uma substância raríssima apenas encontrada em alguns laboratórios nucleares e não pode ser manipulada de qualquer forma. Há várias formas de assassinar um homem mas poucas que deixem uma mensagem tão clara e inequívoca, quem quiser ser uma pedra no sapato e fazer investigações sobre as cúpulas do Kremlin já sabe o que o espera, esteja onde estiver. Obviamente que as autoridades russas negam qualquer envolvimento, mera formalidade que tem a sua utilidade. Os “líderes do mundo” podem assim fazer de conta que acreditam nisso, ao mesmo tempo que pedem que toda a verdade seja averiguada, na certeza que ela não o será.

A questão que me parece interessante analisar é outra. Porque razão as autoridades russas mostram tanto desplante nesta situação quando há tantos indícios apontando para eles? Mesmo supondo que estejam inocentes, não têm feito quase nada para parecer sérios como a mulher de César. Mais que isso, quando o assunto é falado no mundo inteiro, mostram a esse mesmo mundo que se estão nas tintas para o que pensam deles. E assim, a reacção geral é simplesmente uma não-reacção, não há ali nabos a tirar da púcara. Não se vêm manifestações à porta das embaixadas russas, não há bandeiras queimadas daquele país, não há comentadores irados a pedir justiça.

Por muito menos o mundo mobiliza-se para se opor ao “imperialismo americano”. Há várias razões para o anti-americanismo mas uma delas, que é muitas vezes esquecida, tem a ver com a preocupação que os americanos têm com a sua imagem. Por mais unilateral que digam que é esta administração Bush, já se perdeu a conta aos actos que essa mesma administração efectuou para se justificar, para aprovar resoluções da ONU, para procurar aliados. As democracias estão reféns não só das eleições mas das sondagens permanentes. Por isso não são respeitadas. Putin, Castro ou Chávez não são apenas mais respeitados que Bush, ganhando também ascendente sobre a maior parte dos políticos das sociedades livres.

Esta situação, em que as ditaduras acabam por ser menos incomodadas que as democracias, tem paralelo com o fenómeno do mentiroso compulsivo. Quem conhece os casos dos mentirosos compulsivos sabe que, a partir de determinada altura, eles já não conseguem perder mais credibilidade. Aqueles que desmascarados continuam, ainda assim, com a mesma conduta, a prazo ganham credibilidade. Passa a ser um fenómeno de grupo, alguns cansam-se de estar sempre a rebater as mentiras, outros têm a estranha atitude de valorizar as poucas verdades e há ainda aqueles que passam a acreditar nessas mesmas mentiras com toda a intensidade, porque imagino que viver num universo alternativo seja deveras excitante.

MC
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sábado, novembro 18, 2006

Jean-François Revel (9)

OS INTELECTUAIS E A IDEOLOGIA


Foram escassos os intelectuais que se dedicaram à causa da liberdade apesar de ser uma palavra que usam abundantemente. Quando vemos um intelectual a falar em liberdade podemos supor imediatamente que se refere à sua formulação positiva e por isso não é de admirar que defendam o uso de meios coercivos para a sua obtenção e se mostrem benevolentes face a regimes totalitários. Uma das lutas de sempre dos intelectuais foi a oposição ao individualismo, que rapidamente se transfigura numa oposição à liberdade individual. O intelectual não acha que cumpre a sua missão se ajuda os indivíduos a serem autónomos e mais livres mas sim quando consegue impor a estes as suas convicções e a isto chama triunfo da cultura. Em parte justifica-se o ódio que têm às sociedades liberais porque estas não lhe garantem que todos os vão ouvir e apoiar. Nada mais cómodo do que ter o aparelho do estado assegurando a ausência de contradição e uma validação completa. Como recompensa, projectam «sobre as sociedade liberais os defeitos que recusam discernir nas sociedades totalitárias.»

Quer-se frequentemente fazer passar a ideia de que os intelectuais são tão enganados como as outras pessoas e que, por exemplo, só mostraram apoio ao regime soviético porque à luz dos conhecimentos existentes tudo indicava que tinham razão. Isto começa logo por não ser verdade porque, apesar de toda a propaganda, havia muitas informações que levariam, pelo menos, a mostrar mais cautelas e por isso são tão desconfortáveis aqueles que sempre afirmaram existir erros fundamentais. Contudo, há algo ainda bem mais pernicioso. Já em 1918, não tinha ainda o estado bolchevique montado a máquina de propaganda, e já os socialistas franceses começaram a rejeitar a verdade quando era óbvio o despotismo soviétivo. Por isso, «a mentira nasceu no Ocidente.» «A esquerda inaugura assim brilhantemente a tradição de censura que não deixará até aos nossos dias de florir, por doses variáveis em função da credibilidade, em primeiro lugar em benefício da URSS, depois na China, de Cuba, do Vietname, do Cambodja, de Angola, da Guiné, da Nicarágua, de inúmeros países rotulados de «socialistas» no Terceiro Mundo.»

São várias as funções que os intelectuais têm desempenhado em relação à ideologia. Começam logo por dar a sustentação moral que permite tratar a sociedade como um todo que deve submeter a inteligência à omnipotência da ideologia. Mais tarde, já com a revolução permanente em marcha, são os que justificam todos os desaires, primeiro alegando que houve sabotagens ou que tinham uma herança pesada ou ainda que se viviam condições excepcionais. É também frequente mostrarem alguma lucidez a uma distância confortável, nomeadamente de algumas décadas, onde lá admitem que existiram erros, naturalmente corrigidos. Têm também missões mais práticas como as de acelerar os mecanismos de transformação de grupos humanos em multidões irracionais sensíveis «à sugestão e não ao raciocínio, à imagem e não à ideia, à afirmação e não à prova, à repetição e não à argumentação, ao prestígio e não à competência. No seio da multidão, difunde-se uma convicção de modo algum por persuasão mas por contágio.»

Os intelectuais sempre tiveram dificuldade em resistir às modas filosóficas, em especial depois do pós-guerra. Por mais originais que possam parecer, seguem sempre a mesma receita, reescrever o marxismo ou a psicanálise na terminologia da disciplina que pareça mais moderna, como a linguística estrutural. A estratégia é «substituir as dificuldades reais da investigação científica pelas dificuldades artificiais de um estilo obscuro, precioso e pedante, que dá aos leitores e ouvintes ao mesmo tempo a ilusão de fazer um esforço e a satisfação de se julgarem iniciados num pensamento particularmente árduo.» Esta dificuldade aparente e facilidade real dão um gozo iniciático que os leva a crer fazerem parte de uma minoria, quando apenas existe um «elitismo de massas.» Para completar isto junta-se ainda uma doutrina que dê uma explicação global da condição humana, normalmente um sistema filosófico marcadamente ideológico, quase sempre o marxismo. Uma moda não morre porque é refutada mas porque aparecem novas doutrinas que com um novo vocabulário começaram a preencher as mesmas necessidades, as mesmas funções. Muitos pensam que se libertaram de uma moda quando apenas aderiram a «uma nova encarnação da ilusão que deixou de agradar.»

MC

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quinta-feira, novembro 09, 2006

Pena de Morte (V)

O número de países onde a PM foi abolida supera aquele onde ainda permanece (88 contra 69). Subsistem ainda cerca de 40 países onde a PM só pode ser aplicada sob certas condições especiais ou em que já não é aplicada há mais de 10 anos. Contudo, os países mais populosos ainda têm PM: China, Índia, EUA e Indonésia, pelo que a maior parte da população mundial vive ainda com essa possibilidade nas suas vidas. A União Europeia é uma comunidade que apenas aceita membros que tenham excluído a PM. Além disso, a Europa ocidental é a única zona do mundo onde a opinião pública é maioritariamente contra a PM. Há quem considere isto um avanço civilizacional mas também há quem ache o oposto. Contudo, existe quase um consenso de que a PM tal como é aplicada em regimes totalitários, de forma arbitrária e sumária, muitas vezes para afastar adversários incómodos, é uma barbárie inaceitável.

Tenho a ideia de que para a maior parte das pessoas, independentemente do seu estrado social e nível de escolarização, ser contra ou a favor da PM é sobretudo uma questão emocional e os argumentos filosóficos são depois adicionados para mascar essa escolha que, de início, nada deveu ao raciocínio. Quem é a favor da pena de morte é em grande parte movido pelo desejo de vingança ou então pela sensação de impotência e de medo ao ver as suas condições de segurança degradarem-se. Esta segunda situação não advém de uma qualquer situação pontual mas de problemas sérios que muitas vezes os políticos preferem ignorar em nome de elevados princípios. Esta desvalorização tem como consequência aumentar a sensação de impotência das populações que cada vez exigirão medidas mais duras.

Em relação aos opositores da PM a situação não é tão óbvia. Não acredito minimamente que, para a maior parte das pessoas (claro que há excepções e conheço várias), essa oposição advenha de um verdadeiro repúdio pela PM e um valorizar da vida. Aliás, penso que existe actualmente um profundo desprezo pela vida humana. Os massacres no Ruanda, 1 milhão de pessoas mortas em 100 dias, passaram ao lado de toda a gente. As vítimas do terrorismo são ridicularizadas e rapidamente declaradas culpadas. Existem conflitos militares um pouco por todo o lado mas as lágrimas de crocodilo vão apenas para onde estão os americanos.

Tendo ainda em conta que a oposição à PM é maior na Europa e o desprezo que este continente tem mostrado pela vida é patente nas últimas décadas, a justificação só pode ser outra: Cobardia. Porque uma coisa é ser insensível às mortes que ocorrem longe da vista, outra é ter tomates para conseguir olhar nos olhos do sujeito que está prestes a ser executado. Truman Capote, autor de “A Sangue Frio”, nunca conseguiu recuperar emocionalmente depois de ter assistido a uma execução de um indivíduo de quem se tinha tornado amigo. E a verdade é que a maior parte dos europeus não tem estrutura mental para enfrentar situações como esta.
A Europa não rejeita a PM porque é justa ou injusta mas sim porque é uma medida dura. O que é trágico é que nos arrogamos deste avanço civilizacional, sendo ele apenas encarnado por uns quantos, quando se trata sobretudo de um sintoma de fraqueza, de ausência de um projecto para o futuro. A Europa tem uma necessidade imperiosa de tomar medidas duras se quiser sobreviver. Não que a PM seja uma delas, nem sequer é isso que quero questionar. É bem provável que a PM venha a ser novamente introduzida na Europa em grande escala nas próximas décadas, dada a inépcia com que têm sido encarados os problemas de segurança, e tenho o palpite que ninguém irá ver aqui um retrocesso civilizacional.
MC
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Pena de Morte (IV)

Por outro lado, nem todos os opositores da PM parecem tão humanistas quanto isso. Devemos ter em atenção aqueles que a propósito da PM vociferam logo de seguida contra os EUA. Se a oposição à PM é uma questão de princípio deve-se pedir a aplicação desse princípio de forma universal, aos EUA mas também a todos os outros países onde exista a pena capital. Há muitos que o fazem mas para outros parece que apenas existe PM nos EUA. Isto é um claro indício que a oposição à PM é um mero pretexto para justificar o seu anti-americanismo primário. Podemos acrescentar vários dados sobre isto.

Nos EUA a PM é sobretudo uma questão de cada estado e não da totalidade do país, apesar de existirem algumas deliberações do supremo tribunal, como as que impedem de aplicar a PM a menores, que são válidas para todos o território. E aqui temos três situações distintas, os estados onde existe pena de morte, aqueles onde é proibida e aqueles onde está prevista mas não é aplicada há muito tempo. Tratar os EUA como um todo uniforme nesta questão é uma simplificação exagerada. Por outro lado, há aqueles que atiram logo com o exemplo do Texas, onde são aplicadas mais execuções mas nunca se lembram de referir o estado do Michigan, onde a PM foi abolida em 1846.

Em termos de números absolutos os EUA ficam muito atrás da China, que só em 2004 registaram cerca de 3400 execuções. Ora, isto é cerca do triplo das execuções nos últimos 30 anos nos EUA (cerca de 1004). Já em termos de execução per capita é Singapura quem lidera. Mas é preciso também ver quais os crimes puníveis com PM. Como é sabido, nos EUA apenas crimes extremamente graves são passíveis desta punição mas em certos países islâmicos a PM aplicasse mesmo em relação a crimes religiosos e sexuais, como o adultério e a sodomia. O fervor com que se é contra a PM não deveria ser selectivo.

Mais informações em:
http://en.wikipedia.org/wiki/Capital_punishment

MC

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Pena de Morte (III)

Há alguns indícios de que muitos dos defensores e opositores da PM não são completamente sinceros nas suas posições. Há logo a irritante mania de desvalorizar por completo os argumentos do outro lado. Mas isso é apenas o espírito de barricada que impera seja qual for o assunto. Em primeiro lugar um caso que deveria levar os defensores da PM a ponderar. Determinado indivíduo enfrenta a pena de morte ou, em alternativa, prisão perpétua. Acrescente-se que o sujeito teve uma revelação, possivelmente religiosa, e apercebeu-se dos seus erros e agora tenta alertar outros para que não sigam pelo mesmo caminho.

Os defensores da PM que acham que apenas a pena capital deve ser aplicada não são muito coerentes com os seus próprios argumentos. Em relação à retribuição em nome das vítimas, é bastante discutível se o encarceramento definitivo não é já retribuição suficiente, não se percebendo muito bem o que se ganha com a política do olho por olho, dente por dente. Depois, a questão de impedir que o mesmo indivíduo volte a cometer crimes semelhantes também não se coloca uma vez que a sua pena o impossibilita. Finalmente, a questão do exemplo. Penso que dá muito melhor exemplo o indivíduo que se regenerou e agora tenta demover outros de irem aos extremos que ele atingiu do que a execução da pena máxima. Neste caso fica a clara sensação de que apenas está em causa a vingança pura e simples.

Há ainda outro argumento a favor da PM para estas situações que se pode avançar mas é considerado incómodo, para não dizer disparatado. Quem cumpre a prisão perpétua vai ser fonte de encargos para o estado. Isto quer dizer que mesmo os amigos e familiares das vítimas vão suportar, via impostos, o criminoso que tanto os afectou. Claro que diluído pelos milhões de contribuintes estamos a falar de quase nada, mesmo em termos de princípio é já uma quantia incomportável. Uma alternativa seria obrigar o condenado a ter um trabalho que suportasse os encargos que a sua estadia forçada constitui. Apesar de serem argumentos “economicistas”, para alguns mesquinhos e de mau gosto face à seriedade da questão, acho que ainda assim valem a pena serem considerados.

MC
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Pena de Morte (II)

Contra a Pena da Morte (PM) estão argumentos de princípio. Ninguém tem o direito de usar uma punição que retire o valor essencial de cada ser humano (claro que para muitos o valor essencial é a honra e não a vida). A PM não permite qualquer possibilidade de reabilitação e uma vez aplicada não se pode voltar atrás. Além disso constata-se que os condenados à PM são sobretudos elementos desfavorecidos da sociedade que não têm grandes possibilidades de defesa. Por vezes a argumentação contra a PM também tenta ser uma pouco mais pragmática, tentando rebater alguns argumentos do lado oposto, contestando a sua eficácia como medida dissuasora, apresentando algumas situações em que o efeito foi contrário por ter criado um espaço para os mártires.

Os opositores da PM acusam frequentemente os defensores de terem uma atitude vingativa e a lei não deve ser sentimental mas neutra. Contudo, este argumento pode ser usados pelos dois lados. Se por um lado a necessidade de vingança não pode ser a justificação, porque podem surgir violentas emoções vingativas em relação a falhas menores, retirar a emoção da lei abre a porta para a aplicação da PM quando se mostra que isso pode beneficiar a sociedade num determinado aspecto, nem que seja num mero contar de vidas.

Como se viu no post anterior, também os defensores da PM podem assumir uma posição de princípio e, tal como os opositores à PM, o valor em questão é também a vida. A diferença que os defensores da PM alegam é o foco que está nas vítimas ocorridas e as potenciais e não nos criminosos. Talvez por isto, alguns opositores da PM assumem que o argumento que faz a diferença é a irreversibilidade e que inocentes podem, e sabe-se que isso tem ocorrido, ser injustamente executados.

MC
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Pena de morte (I)

Temos aqui um bom exemplo de como a discussão filosófica dissimula as razões de fundo. Comecemos por expor alguns dos argumentos de ambos os lados. A favor da pena de morte (PM) estão sobretudo argumentos de ordem pragmática. A aplicação da PM será um desincentivo para outros criminosos e impede que o condenado volte a matar, raptar, violar, etc. Há quem tente também ver aqui uma questão de princípio, alegando que há o dever moral de proteger a sociedade mesmo que há custa de uma medida tão dura. Os defensores da PM trazem frequentemente para a discussão casos reais de crimes brutais que tentam reforçar as suas teses mas em geral evitam falar em vingança, preferindo expressões mais difusas como “retribuição em nome das vítimas.”

Em termos históricos esta é a posição dominante e em parte é compreensível, uma vez que havia escassez de punições alternativas. Espancamentos e amputações de membros considerava-se não serem o suficiente para certos crimes e muitas vezes não havia possibilidades de encarceramento ou este era muito pouco eficaz. Por esta razão Tomás Aquino admitia a pena de morte como forma de protecção da sociedade mas não de vingança, o que foi aceite pela Igreja Católica até a revogação total no papado de João Paulo II, que considerou que era inaceitável em tirar a vida a alguém quando existiam alternativas.
MC
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quinta-feira, novembro 02, 2006

Uma mentira conveniente



Há uns anos atrás perguntava a um membro de uma associação ecologista a razão de serem tão exagerados. Fiquei um pouco surpreendido com a resposta, que afirmava cruamente que era necessário mentir para a mensagem passar na comunicação social. Supostamente, os ecologistas também seriam vítimas da ditadura dos media que só dá voz a quem berra mais alto. A estratégia implícita é semelhante à que muitos pais usam em relação aos filhos, inventando perigos enormes para provocar nas crianças um medo quase instintivo sobre certos comportamentos de risco. Ora o que acontece muitas vezes é começar a mentir por estratégia e acabar a fazê-lo por convicção. Eles ainda se lembram, nem que seja vagamente, das suas intenções iniciais, melhorar o ambiente e a vida de todos, proteger as espécies em extinção, etc. E acreditam que o ritual de pronunciar de viva voz em cada acto estes mesmos valores os absolve das linhas tortas que vão escrevendo.

Quando se passa para um nível mais alargado, a simples mentira já não é aceitável porque há sempre quem esteja atento e pronto a denunciá-la. Aí recorre-se a estudos, relatórios, assinam-se protocolos, realizam-se documentários. Em pouco tempo, Al Gore publica o livro/filme “Uma Verdade Inconveniente”, a ONU divulga um relatório em que desvenda um aumento das emissões de CO2 e sai o bombástico relatório Stern encomendado pelo governo Britânico, todos apontando para as variações climáticas dramáticas, a sua origem humana, as profundas consequências económicas e, como é óbvio, a necessidade de se fazer alguma coisa. Curiosamente, muitos esquecem que foi Tony Blair o responsável pela alegação das armas de destruição maciça como motivo para intervir no Iraque, uma vez que os americanos iriam para lá sem essa justificação. E também aqui não houve mentira. Vários serviços secretos, incluindo os franceses e os russos, eram da opinião de que o Iraque já tinha um forte dispositivo de ADM. O que depois se fez foi algo mais sofisticado do que mentir, foi antes tirar as piores conclusões dos poucos dados que se tinham e apresentar a versão empolada ao grande público. E o desfecho foi o que se viu.

E agora, a propósito das alegadas modificações climáticas, a mentira também está excluída. Tudo é baseado em modelos climáticos e económicos científicos, em dados empíricos e no fim os resultados apresentados dentro de uma gama de variação expectável para se atestar a seriedade. Claro que a comunicação social vai dar ênfase apenas às previsões mais catastróficas, como se fossem as únicas e inevitáveis, se nada for feito. Também não devemos esperar que a mesma comunicação social nos esclarecesse como se chegam àqueles resultados. Não nos explicam se os modelos climáticos utilizados tomam em conta todas as variáveis relevantes, até porque ficava mal dizer que ninguém tem a certeza. Nem nos explicam que é utilizado um modelo, ou seja, uma simplificação idealizada da realidade, porque esta é tão complexa que não se pode ter toda em conta e, logo, há a probabilidade de ter deixado de fora algo que é determinante. Além de que os próprios modelos não funcionam sozinhos, precisam também de algum input de quem faz a simulação, que em última análise não é mais que um inserir de palpites. E em relação à economia poder-se-ia dizer quase o mesmo.

Este meu cepticismo não é uma tentativa de desvalorizar o problema. No entanto penso que devem ser desvalorizados aqueles que querem fechar a discussão, em grande parte por razões ideológicas. Basta um pouco de bom senso para perceber que previsões complexas a longo prazo são altamente falíveis. Pode ser bem pior fechar o debate e impor de forma centralizada as soluções “necessárias” do que “nada fazer”. Porquê? Imaginem-se alguns cenários:

1º - As previsões estão globalmente correctas mas pecam por defeito. Como o debate foi fechado, podem passar vários anos até se chegar à percepção de que as medidas tomadas ficaram muito aquém do necessário.

2º - As variações climáticas são reais e têm causa humana, mas não aquelas que se pensava. Ao fechar o debate o erro nunca vai ser reconhecido. Este caso poderá ser confundido com o 1º e haverá tendência de combater o mal X mais intensamente, quando o problema está em Y. Nem o problema é resolvido e são gastos inúmeros recursos sem qualquer retorno, que poderiam ter sido utilizados de outra forma.

3º - As variações climáticas são reais mas não é possível combatê-las com os meios humanos disponíveis. É o pior cenário e a única alternativa racional é aprender a viver com isso, independentemente do problema ter tido ou não origem humana. Isso implica a implementação de medidas de adaptação, que naturalmente precisam de recursos, mas estes estão atribuídos a uma luta perdida que o consenso ditou.

Por último, não existe a solução “não fazer nada” ou melhor, até há, chama-se Protocolo de Kyoto e outras soluções do género que possam aparecer. Porque protocolos assinados por autoridades centrais assumem uma responsabilidade abstracta mas uma efectiva desresponsabilização individual. A mensagem que passa é que os governos estão a tratar do assunto e quando chegar a nossa vez de fazer alguma coisa, logo nos avisam e por enquanto podemos ficar descansados de braços cruzados. Mas ao chegar o momento de agir todos preferem ficar na mesma e a razão é simples. Porque cada pessoa e cada empresa tem consciência que o seu esforço isolado não vai alterar nada, mas vai sentir logo as consequências negativas do seu esforço.

E deixar o mercado actuar não é o mesmo que “não fazer nada”. É de facto a solução mais eficaz para a responsabilização individual e o melhor estímulo para as empresas se tornarem mais “verdes”. As empresas modernas têm a necessidade de uma imagem imaculada e para isso nada como aderir à moda ecológica. Muitas empresas cumprem hoje preceitos ambientais que vão muito para além das obrigações legais. E cada vez será mais assim, não por pressões estatais mas pelo próprio funcionamento do mercado. Há também a ideia errada de que o capitalismo favorece a manutenção da situação actual até à catástrofe final desde que isso maximize os lucros. Isto pode ser verdade para determinados capitalistas ocupando posições dominantes mas não o é para o capitalismo em si, porque este sistema não vive da manutenção do status quo mas antes da destruição criativa. O que o capitalismo estimula é sempre o empreendedor que procura a oportunidade de negócio e se há área onde essas oportunidades irão florescer é no domínio ambiental.
MC
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