A génese do holocausto
Uma terceira hipótese surge-me ao observar um fenómeno semelhante que vem se intensificando nos últimos anos. Falo do anti-americanismo e anti-semitismo que têm crescido em força na Europa nos últimos anos e se têm tornado fenómenos de massas. Penso que estes fenómenos em outras paragens têm características diferentes e não os abordarei aqui. Em primeiro lugar, quero assinalar que não acho muito relevante saber se os EUA e Israel têm feito por merecer os ódios que lhes têm sido dirigidos. É uma questão traiçoeira e que tem servido de artimanha para evitar que se avalie a situação com objectividade logo à partida. Há aqui mesmo uma falácia que tem passado despercebida. Porque quem alberga o ódio em si é o principal responsável por isso. E o que me parece relevante é tentar perceber a razão de escolher o ódio quando existiam outras alternativas.
Um segundo ponto prende-se com uma clarificação do que é isso de anti-americanismo e anti-semitismo. A versão pura, seguida por poucos, não depende do decorrer da história. É um ódio ideológico, motivado por um confronto entre posições de princípio inconciliáveis. Os EUA vão ser odiados antes de Bush e quando ele se for embora nada se irá alterar. Não é um ódio pelo desconhecido e o anti-americano puro pode até conhecer bastante sobre o seu inimigo. O que o motiva é a defesa dogmática das suas ideias (como a propriedade privada ser um roubo, a troca não trazer benefícios mútuos mas apenas permite a exploração do homem pelo homem, as liberdades individuais devem submeter-se às liberdades positivas impostas centralmente pelos “justos”, etc.) e o modelo americano é odiado por encarnar a oposição a tudo isto.
Mas o grosso do fenómeno é composto por aquilo a que convenientemente se chama de idiotas úteis, um imenso coro anárquico de indivíduos com fraca preparação ideológica mas com uma imensa capacidade de reacção e adesão a causas excitantes. O que estes indivíduos descobriram é que o ódio é uma terapia de efeitos rápidos e aparentemente eficazes para a cura de estados urbano-depressivos. O que mais impressiona neste indivíduos é o esforço que fazem para manterem o desconhecimento sobre a realidade. O motivo é simples, depois de terem descoberto uma causa que lhes dá algum sentido para as suas vidas, apavoram-se com a possibilidade de tudo ser apenas uma ilusão.
Pensemos na invasão do Iraque. O coro anti-americano não se limitou a não querer ouvir as razões a favor da invasão. O coro também não pegou na argumentação contra a invasão que alguns indivíduos sérios lançaram. Preferiram uma amálgama de ideias desconexas ou contraditórias, em crescendos espasmódicos que criam um clima de esquizofrenia que limita à partida qualquer hipótese de racionalidade. Trata-se de uma resistência activa à inteligência muito útil porque o clima de racionalidade pode levar a fins imprevisíveis. Há também algumas muletas que a estupidez foi coleccionando ao longo dos tempos, como a utilização de posições de princípio moralistas que dão a ilusão de se sobreporem aos factos, mas em geral as artimanhas da estupidez são bem menos refinadas.
Sendo assim, a terceira hipótese, que nem é nem cínica nem ingénua, defende que a adesão das massas a uma causa odiosa é uma troca. As massas dão ao regime o poder que este necessita e este devolve um enquadramento sentimental e conceptual com efeitos terapêuticos. Este mecanismo de dopagem social necessita sempre de renovar as suas doses e se possível aumentá-las. Por isso, muitos anti-americanos mostraram-se muito nervosos ao perceber que os EUA não iam invadir o Irão. E agora muitos acham pouco atacar apenas Israel e tentam de qualquer maneira meter os EUA nisto porque é uma droga com mais punch.