sexta-feira, junho 30, 2006

Os inimigos da liberdade

Um manual brasileiro de biologia dá um alerta, os restaurantes a peso são piores que os outros. Como costumo almoçar num restaurante a peso, fiquei intrigado. Afinal, o perigo está na liberdade que estes restaurantes têm, porque as pessoas podem escolher o que quisessem e assim correm o risco de ter uma dieta desequilibrada. Curiosamente, penso que esta liberdade possibilita exactamente o contrário, reduzindo drasticamente o consumo de carne e fritos. Mas menciono este exemplo apenas para mostrar a naturalidade com que actualmente a liberdade é vista como uma coisa má.

É uma inevitabilidade haver decisões para tomar. Por isso, quando os indivíduos são impedidos de tomar algumas decisões, alguém terá de as tomar por ele. Por isso, quem é contra a liberdade individual está forçosamente a concentrar decisões em outro local, no Estado, por exemplo. E um Estado que acumule decisões é apenas uma forma de dizer que acumula poder e controlo sobre os cidadãos. Por isso, ser contra a liberdade é promover o totalitarismo.

Além disso, o indivíduo que não tem de tomar decisões também não pode ser responsável. Por isso, outra consequência de ser contra a liberdade individual é a fomentação da irresponsabilidade. A conjunção destes dois efeitos é dramática. Um Estado com cada vez mais poder tem de lidar com indivíduos cada vez mais irresponsáveis. A solução que parece óbvia é concentrar ainda mais poder para que os cidadãos possam ser domados. E para quem ocupa o poder, a História tem mostrado que esta solução consegue fornecer alguma estabilidade. O indivíduo que nunca foi livre nem sabe o que anda a perder. Descarrega as suas frustrações nos colegas, vizinhos, alegra-se com as desgraças alheias e ama quem o oprime.

A maior parte dos intelectuais parece desconhecer como se chega a estas situações. Pensam que mais liberdade não irá resolver nada. E talvez tenham alguma razão, mas a culpa não é da liberdade. Muitos fenómenos sociais e económicos possuem histerese. Considere-se um caso de monopólio estatal. Abolido o monopólio estatal, os críticos da liberdade afirmam que não se melhorou, ou porque apareceram 3 ou 4 empresas medíocres ou porque se sucedeu um monopólio de uma empresa privada. E com isto pensam que se provou que a liberdade não funciona.

Acontece que não se pode passar de uma situação de monopólio para outra de autêntica liberdade de um momento para outro. As pessoas que antes geriam o monopólio não deixaram de existir e têm toda uma série de contactos e conhecimentos que lhes permitem reconstruir o monopólio de outra forma. Por outro lado, as pessoas também têm de aprender a viver em liberdade e de assumirem responsabilidades. Veja-se o caso das farmácias, as pessoas ainda não aprenderam a ir comprar nos sítios mais baratos. Ou será que não é bem assim? Uma pessoa pode comprar uma aspirina mais cara numa estação de serviço (se é que se vendem lá) mas ainda assim pode achar que ficou a ganhar, porque poupou tempo, por exemplo. E talvez tenha comprado o medicamento mais caro mas como também comprou outras coisas teve um desconto qualquer. Os inimigos da liberdade acham sempre que sabem o que é melhor para os outros. O seu mundo rejeita a complexidade, não há dilemas nem escolhas difíceis.
MC
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sexta-feira, junho 23, 2006

Criação de um “Think Tanks” liberal em Portugal

Alguns liberais sentem que o momento chegou para adquirir mais visibilidade. Vejamos o que já foi feito em relação a isso e o que se poderá fazer. Sem qualquer margem para dúvida, o maior fórum de discussão liberal acontece nos blogs. A imprensa escrita já foi “contaminada” e actualmente alguns bloggers liberais escrevem para jornais e revistas e nos jornais são hoje banais artigos impensáveis até há poucos anos.

Contudo, há quem ache necessária uma visibilidade maior, o que pode sugerir a criação de um partido liberal. Mas os contras são muitos, a própria ideia de um partido que, por definição, luta pela conquista de poder, nunca poderá ser liberal. As próprias ideias liberais são muitas vezes não intuitivas, pelo que a melhor estratégia poderia ser a de ir influenciando aos poucos outros partidos, as elites e o povo em geral.

Mas como fazer isso? A frente “bloguista” é importante mas com uma influência limitada. Associações como a Causa Liberal, interessantes e meritórias, parecem mais vocacionadas para objectivos intemporais e para promoção da discussão interna. Parece-me óbvio que a criação de um think tanks com vocação liberal seria actualmente a melhor opção.

Este think tanks devia ter como áreas de estudo a filosofia política, a economia e o ambiente. São três áreas onde reinam os mitos esquerdistas, que tem causado graves prejuizos. Outros think tanks, como o Cato Intitute ou o Mises Intitute, para além de serem completamente desconhecidos por cá, não estão adaptados à realidade portuguesa. É necessário trabalhar com os factos, números, História e mentalidade de Portugal. Que o output seja algo que os jornais escritos e televisivos não achem demasiado abstracto para divulgar. E em língua portuguesa.

Parece-me haver massa crítica suficiente em Portugal para a criação de um instituto assim. Penso que há muita gente saturada da pouca-vergonha que é a desonestidade permanente que reina nas matérias políticas, económicas e ambientais são postas e gostaria de contrariar isso. A questão mais delicada é o financiamento. Por princípio, o financiamento estatal devia ser recusado terminantemente. Mas não é de esperar da classe empresarial um grande entusiasmo.

Apesar dos empresários portugueses repudiarem as dicotomias marxistas, em geral tem apreço pelo modelo do “Estado Generoso”. Veja-se que o Compromisso Portugal é um projecto que se preocupa muito em manter os centros de decisão nacionais e alguns dos seus membros se apressam a dizer que não são neo-liberais. Curiosamente, a Wikipedia identifica o Compromisso Portugal como um think tanks. Mas é necessário algo com outro nível de seriedade e coragem. Os bloggers já mostraram que conseguem trabalhar muito de graça. Resta que abdiquem um pouco da sua liberdade e se entreguem a um projecto um pouco mais organizado e objectivo.


Nota: Não avanço com esta ideia com a esperança de poder participar no projecto, uma vez que não tenho formação em nenhuma das áreas indicadas.

MC
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terça-feira, junho 20, 2006

Multiculturalismo e as extremas políticas

A extrema-direita tem uma posição clara sobre o multiculturalismo, sendo frontalmente contra, negando assim qualquer validade na contribuição dos emigrantes para a construção do país. Esta posição, pouco humanista, para além de contrastar com as práticas seculares lusas, que fizerem de nós um dos povos mais miscigenados do mundo, não tem ainda em conta o declínio demográfico que vem ocorrendo e a necessidade de input exterior para evitar que o sistema entre em colapso. O aumento de situações de violência por parte de certos grupos étnicos pode tornar estas ideias demasiado apelativas.

E uma das causas que pode potenciar a violência étnica é a visão multiculturalista da extrema-esquerda. Ou seja, ao invés de serem visões opostas, são complementares. A visão da extrema-esquerda destas questões é apelativa para o intelectual urbano-depressivo mas ambígua para o cidadão comum. O multiculturalismo que se defende, na prática, não é uma questão de respeitar outras culturas e absorver os seus contributos válidos. Trata-se apenas de um ferramenta ao serviço do relativismo absoluto, que visa o desmoronamento da cultura ocidental. Existem duas manobras básicas nesta actuação. Uma delas baseia-se na ideia que todas as culturas são iguais e têm a mesma validade. Desta forma tenta-se desvalorizar aquilo que o ocidente tem de superior a muitas culturas, a liberdade, a tolerância, não-discriminação sexual e, talvez mais importante que tudo, um sistema de criação de riqueza mais eficaz.

A outra manobra utilizada pela extrema-esquerda na salada multicultural, de certa forma contradiz a anterior, baseia-se em comparações entre culturas, sempre com desvantagem para o ocidente. Este método é realmente devastador, potenciando o ódio ao ocidente em geral, porque se fundamenta em muitas coisas que até são verdade. É relativamente fácil encontrar na longa história do ocidente actos bárbaros e na cultura actual costumes bizarros e absurdos. Escolhendo exemplos favoráveis em outras culturas para fazer contraponto, sai daqui uma imagem deplorável do ocidente.

Pessoalmente já me vi envolvido nestas manobras de forma meio ingénua mas ainda em adolescente percebi que o meu fascínio por alguns aspectos de outras culturas não me devia deixar extrapolar demasiado, porque era evidente que o ocidente era superior em muitos aspectos. O meu multiculturalismo não era um masoquismo cultural mas sim uma abertura em aceitar contributos válidos de outras paragens, assim como uma abertura também para os rejeitar e de ter um orgulho no que bom se tem por cá. Ora, compare-se esta atitude com a da extrema-esquerda. Não existe qualquer reconhecimento daquilo que é positivo no ocidente, o que não será de espantar porque para a esquerda o que conta é a mudança, o que está para vir e não o que há. E na verdade também não há nenhum entusiasmo nas coisas positivas que eles dizem ver em outras culturas, porque são mero instrumento na sua luta.

Outra razão que torna as concepções da extrema-direita e da extrema-esquerda sobre o multiculturalismo complementares é serem ambas atitudes que ambas as extremas querem tomar em nome de toda a sociedade, normalmente em forma de leis. Os limites até onde se pode legislar são questões delicadas mas a partir de certo momento torna-se óbvio que as liberdades individuais negativas ficam ameaçadas. Ambas as extremas políticas vêem a liberdade apenas como um instrumento útil que deve ser abolido mal se atinja o poder. E o poder de uma extrema cria uma tensão tal que parece apenas ser resolúvel com uma alternativa de sinal contrário. Mas se assim é, se uma extrema cria uma vaga de fundo para outra de sinal contrário lhe suceder, mais não temos que uma situação de complementaridade.

MC
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sexta-feira, junho 16, 2006

Scolariedade e outros devaneios

Uma onda de irracionalidade varreu o país antes do mundial de futebol. Por um lado, o “povo” e alguns entusiastas com influência nos media criaram a fábula da inevitabilidade de Portugal sair vencedor do campeonato. No lado oposto estavam os opositores de Scolari, e chegou-se a falar em reunir assinaturas para remover o homem do cargo, devido à sua falta de cultura democrática e mais um sem número de despautérios de que lhe acusaram.

Agora que começou o mundial, penso que o entusiasmo foi realisticamente refreado. A maioria dos comentadores abalizados não coloca Portugal no lote dos favoritos, esperando apenas que se faça boa figura. O entusiasmo dos populares é agora apenas o normal para algum álcool à mistura.

Contudo, em relação à contestação a Scolari ainda não se desceu ao nível do razoável e pressente-se um grupo de abutres à espera do desaire. A vitória sobre Angola por 1-0 já foi sentida por alguns como uma quase derrota, esperando-se muito mais da equipa. Agora só alguém muito desatento para achar que é fácil no futebol de hoje, no final de uma época desgastante, fazer jogos deslumbrantes e conseguir goleadas facilmente. Deslumbraram o Brasil, a Argentina, a França, a Suécia ou a Itália? E há várias razões para o deslumbramento ser cada vez mais difícil.

O futebol é um jogo cujas principais regras estão fixas há muito tempo. Desta forma, estão já catalogadas quase todas as hipóteses que podem acontecer num campo de futebol, o que torna o trabalho defensivo mais fácil. Os meios técnicos hoje ao dispor possibilitam aos treinadores transmitir de forma mais fácil e rápida certas informações aos jogadores, que conhecem à lupa a equipa adversária. Os próprios métodos de treino evoluíram bastante em toda a parte, pelo que não há equipas que possam estar numa forma física muito superiores às restantes. Estas coisas conjugadas fazem com que já não existam equipas fáceis e os erros graves são cada vez mais raros.

Outra razão que vai contra o deslumbramento é a altura em que se realiza o mundial, depois de épocas desgastantes, como já referi. Muitos jogadores mostram falta de frescura, não só física mas também mental. A própria estratégia das equipas nos dias de hoje vai contra o deslumbramento, apostando-se nas tácticas mais seguras e na contenção para evitar riscos. Dito de outra forma, hoje em dia nas competições importantes todos jogam como a Itália.

Ainda outro motivo para a diminuição do entusiasmo dos jogos de futebol tem a ver com a relação com a exploração das regras do jogo e da passividade dos árbitros. Não me refiro às tentativas de ludibriar o árbitro ou a arbitragem tendenciosas, que são coisas lamentáveis, mas que sempre aconteceram. Penso antes na forma como se recorre à falta como parte essencial da táctica da equipa. A generalização das faltas cirúrgicas que cortam jogadas de contra-ataque, ou de faltas sistemáticas sobre jogadores que se evidenciam, que são admitidas como naturais pela maior parte dos árbitros. Os sábios do futebol aconselham os árbitros a não estragarem o espectáculo, sobretudo a não mostrar o segundo cartão amarelo. Esquecem duas coisas fundamentais. Quem estragou o jogo não foi o árbitro mas sim o jogador que cometeu as faltas. Depois, se o árbitro limita a sua actuação daí resulta um estímulo à infracção. Ou seja, a actuação débil dos árbitros acaba por estragar os jogos por omissão sob pretexto de não os estragar pela aplicação legítima das leis do jogo que todos conhecem e deviam respeitar.

As orientações “superiores” neste mundial de futebol vão no sentido de conferir mais autoridade ao árbitro. Apesar de positivo, penso estar mais que na altura de mudar algumas regras do jogo. Bem sei que as estruturas rígidas dos organismos do futebol não irão por aí, mas mesmo assim darei aqui a minha humilde contribuição. A primeira é que os jogos deviam ser sempre 11 contra 11 e um jogador expulso devia ser substituído. Obviamente que para prevenir que isto se torne num estímulo à agressão física, o jogador devia ser seriamente punido com jogos de suspensão, em conformidade com a gravidade do seu acto. Podemos imaginar que uma equipa recorra a estratégias de sacrificar alguns “peões” que iriam lesionar jogadores importantes da equipa adversária. Contudo, em outros desportos onde existe regras destas não se viu nada disso. Mas podia-se prevenir esta esperteza com uma simples regra de punir logo toda a equipa, com retiragem de pontos na secretaria, por exemplo.

Outra regra que alteraria era a das substituições. Cada equipa devia poder levar mais jogadores para o banco e fazer as substituições que quisesse e quando assim o entendesse, desde que durante as paragens, obviamente. Podem dizer que o futebol não é como o basketball, onde a entrada e saída de jogadores não quebra o ritmo. Mas se fazer assim tantas substituições prejudica a equipa, como ninguém quer perder, não há motivos para temer esta nova regra porque ninguém a utilizaria. Isto certamente iria mudar muito o futebol e teriam-se que aprender muitas coisas quase do zero. No entanto, existiriam muitas vantagens. O jogo seria muito mais imprevisível devido à mobilidade em campo, e as receitas que os defesas levam decoradas para marcar os seus adversários perderiam grande parte da sua validade. A maior rotatividade também iria tornar as épocas menos desgastantes e iria dar oportunidades a mais jogadores de se evidenciarem. As equipas também teriam que ser mais versáteis para conseguirem acomodar rapidamente novos jogadores durante o jogo. Imagino que se isto fosse para a frente, de início a maior parte das equipas continuaria a jogar de forma tradicional, basicamente com o mesmo 11 de início ao fim. Mas à medida que aparecessem equipas que conseguissem interpretar bem esta nova regra, outras teriam que o fazer também, E o objectivo é mesmo esse, mudar as coisas, não no sentido revolucionário mas no sentido de salvar a essência da coisa.

Voltando agora ao mundo real. As equipas não são todas iguais e nem todas têm a mesma probabilidade de subir ao pódio. Obviamente que algumas têm valores individuais muito superiores, outras têm culturas tácticas impecáveis e há a questão do carácter, um aspecto um pouco difícil de colocar por palavras mas que se consegue intuir muito bem ao ver os jogos. Em muitas partidas as equipas parecem igualmente bem preparadas, encaixadas uma na outra e o resultado talhado para o empate. Mas por vezes uma delas, normalmente a que é teoricamente mais fraca, tem uma crise de confiança momentânea e sofre o golo fatal. De outras vezes é a equipa teoricamente mais forte que facilita e se desconcentra, deixando-se surpreender. Em ambas as situações é o carácter que falha e é também de carácter que se precisa para reagir à adversidade.

No final de mundial, ao traçar o percurso da equipa vencedora não se vai mostrar uma sequência de jogos deslumbrantes, nem evidenciar um jogador que sistematicamente fez a diferença, nem testemunhar uma superioridade constante e avassaladora. Antes, irá mostrar-se uma sequência de vitórias por resultados escassos, golos marcados aproveitando erros dos adversários ou em lances de bola parada e um pragmatismo que permitiu manter um rendimento constante, alicerçado numa defesa sólida e num ataque oportunista.

Agora, não culpem Scolari por o futebol ser assim. Ainda estou para perceber tanta acrimónia em relação ao seleccionador nacional por parte de alguns sectores. Fiquei um pouco estupefacto quando ouvi acusações de falta de cultura democrática. Será que estão a pedir que se façam votações por SMS para ajudar Scolari nas convocatórias? Acho que há umas pessoas equivocadas sobre o papel da democracia e utilizem certas palavras de forma meio aleatória porque sabem que o discurso vai parecer mais forte. Será Mourinho, o homem neste planeta que melhor domina os segredos do futebol, um democrata no plano do futebol, mesmo na sua relação com a comunicação social?

Aliás, esta é uma das características mais marcantes da actuação de Scolari, ter vincado muito bem o seu papel e aquilo que não iria delegar em outros. Parece que alguns têm saudades dos tempos recentes em que ninguém sabia muito bem quem “fazia a selecção”. Esta autoridade que Scolari chamou a si, e também expressa ao escolher jogadores que a ela se submetam, também é muito criticada. Qual era a alternativa? A falta de profissionalismo e a irresponsabilidade anterior?

Concedo que Scolari possa ter parte das culpas no processo. A rejeição de Vítor Baía naturalmente causaria alguns dissabores mas parece-me perfeitamente legítima. Algumas convocações de Scolari nos vários jogos, distanciamento em relação aos clubes e uma relação com os media algo brusca também podem não terão feito muitos amigos. Sem conhecer em profundidade todas as questões envolvidas e já tendo assistido a uma entrevista de Scolari num ambiente mais reservado, retirei dali alguns palpites sobre certas atitudes do técnico, também por ter percebido que o homem não é nada parvo e não faz as coisas apenas porque “lhe dá na cabeça”.

Os meus palpites são estes. Em geral Scolari tem um objecto fundamental de proteger os jogadores de pressões negativas em relação ao exterior (mas é um fervoroso adepto em relação a pressões positivas, como se viu no Euro 2004) e para isso não se importa que concentrem nele todos os ódios e frustrações que possam ocorrer. Por outro lado, Scolari tem um segundo objectivo que é o de proteger-se a ele e à equipa técnica de pressões positivas mas interessadas e daí algum distanciamento que proporciona e que invalidada tantos esquemas montados. Isto é algo que muitos portugueses deviam ter em conta, porque uma das pragas que devasta este país é o “nacional-porreirismo”, que protege todo o tipo de corruptos e medíocres.

Finalmente, sobre o futebol propriamente dito, mesmo preferindo aqui e acolá outras escolhas que as feitas por Scolari para este mundial, não tenho motivos sólidos para justificar que as minhas seriam melhores, para além de uma “fezada”, além de que os jogadores mais importantes estão presentes. Também não vi os críticos apresentarem justificações que me fizessem admitir que Scolari falhou claramente em alguma escolha, apesar de alguns falarem como se tivesse acontecido algum crime lesa pátria. Mais uma vez recordo o passado, quando durante anos a equipa portuguesa jogava sem um ponta-de-lança de raiz e o mais próximo que havia disso era o aguerrido (dentro e fora do campo) Sá Pinto.

Para finalizar, o que espero realisticamente, não emotivamente, é que Portugal fique entre os 8 primeiros. Com o grupo de jogadores que tem, vários deles jogando juntos há alguns anos e sob o mesmo comando técnico, se Portugal não ficar nos 8 primeiros é porque a equipa não teve carácter suficiente. Este objectivo ao ser falhado, não sendo demasiado ambicioso, penso que as principais culpas devem ser assumidas por Scolari. Por outro lado, se Portugal ficar dentro dos 3 primeiros lugares é um feito que também podemos agradecer em grande parte a Scolari e que penso que não podia ser obtido por muitos treinadores ocupando o mesmo posto. Obviamente que no futebol há sempre imponderáveis que podem acontecer, facilitando ou dificultando a obtenção de resultados, e assim aumentar ou diminuir os méritos de Scolari (e dos jogadores também). Não acontecendo nada de extraordinário no percurso da equipa portuguesa, penso que este esquema de avaliação é justo, para além de ter o mérito de não ter sido anunciado já depois dos resultados ocorrerem.

Se eu fosse uma equipa no mundial seria Portugal. É o que diz o questionário da
rádio comercial. À boa maneira do futebol, direi que isso não é bom, nem mau, antes pelo contrário.

MC

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quarta-feira, junho 14, 2006

Prisão quase em directo

Um jovem supostamente líder de um partido de extrema-direita aparece numa reportagem da RTP mostrando uma arma, que diz ser legal, que me parece uma daquelas dos jogos de computador para matar aliens, que joguei em adolescente. Diz ele, com um plano de fundo por trás onde ressalta um livro sobre Adolf Hitler, que os nacionalistas têm armas como aquela e que, se surgir o momento, estão prontos para agir porque não deixarão que em Portugal aconteça o mesmo que em França. Não passava ainda uma hora após a emissão da reportagem e as televisões anunciam que o jovem tinha sido detido por posse ilegal de arma (não necessariamente em consequência directa da emissão da reportagem).

Como se já não bastasse, para tornar as coisas mais interessantes, no dia seguinte o director da judiciária veio criticar a actuação precipitada da PSP, uma vez que a judiciária vinha investigando este grupo. Se era para ser segredo, não percebo porque o veio dizer a público de forma tão ostensiva. Também tenho dúvidas se a PSP, com esta detenção, não fez exactamente o que este grupo de extrema-direita queria para obter mais visibilidade.

A reportagem foi ainda esclarecedora para perceber algumas das linhas orientadoras da extrema-direita portuguesa: anti-capitalismo, anti-sionismo (o nome politicamente correcto do anti-semitismo), visão relativa em relação à liberdade de expressão. Que outros grupos têm visões semelhantes da política? Precisamente o extremo “oposto”, à esquerda, mas que, apesar disso, consegue colocar facilmente alguns dos seus membros na comunicação social a falar de cátedra e com ar de virgens impolutas sobre a situação. Nada de admirar numa pais onde há pouco tempo um Presidente da República (ainda alguém se lembra dele?) condecorou uma senhora com um brilhante passado terrorista (mas daquele terrorismo bom, de esquerda).

É certo que existe uma diferença fundamental entre a extrema-direita e a extrema-esquerda em relação à questão do multiculturalismo, que abordarei no próximo post.

MC
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Grevíssimo

A actividade sindical já não se preocupa em dar um ar de seriedade. Ainda me lembro vagamente dos tempos em que os sindicalistas falavam do bem comum e não colocavam a ênfase apenas nos direitos dos seus associados. Pode-se pensar que estamos bem melhor porque nos livramos da hipocrisia, mas as coisas não são assim tão simples. Admitindo que é legítima a defesa dos direitos dos “trabalhadores”, há que perceber que há uma fronteira para lá da qual onde reinam a chantagem e onde todos vão ser prejudicados em benefícios de alguns.

E depois há situações caricatas como a vivida na fábrica da Opel da Azambuja. A fábrica em risco de fechar devido a custos de produtividade e a resposta é greve. É como se dissessem: «Acham que somos poucos produtivos? Vão ver que ainda conseguimos fazer pior.»

Começa tudo com uma filosofia destrutiva, baseada no antagonismo. Boa parte dos sindicatos ainda vê o mundo a preto e branco, colocando num lado os patrões e os capitalistas cruéis, sempre ávidos de lucro (coisa horrível) e sempre prontos à exploração, e de outro lado estão os trabalhadores, verdadeira fonte da criação de riqueza (se assim fosse, teriam a liberdade para se tornarem patrões), imaculados e eternas vítimas. A partir desta concepção deturpada das relações sociais, os sindicatos acham-se no direito de julgar, acusar, exigir tudo e negar qualquer tipo de responsabilidade. Slogans como “a luta continua!”, usados abundantemente, mostram bem qual é a mentalidade reinante.

Uma actividade sindical séria deveria tentar compatibilizar os interesses de quem emprega com os interesses de quem é empregado. Devia também perceber que nem sempre os interesses são antagónicos. No sector privado parece-me óbvio que a actividade sindical não deve colocar em risco a própria continuação do actividade de negócio. Mas isso acontece frequentemente, porque o sindicalista acha que tudo o que faz é culpa do patrão e por isso ele é que deve resolver o problema. Uma argumentação demagógica podia agora alegar que, por esta ordem de raciocínio, só faltava alegar que os sindicatos deviam ser associações de defesa dos patrões. Só mentes bastante reprimidas não reconhecem que existe um vasto campo de actuação disponível para os sindicatos dentro do plano racional. Não digo que se deva enfrentar o confronto, longe disso, nem que o confronto deve ser a última solução. Antes, defendo que o confronto não deve ser o princípio basilar a seguir cegamente, como acontece até aqui. Até porque quem reage da mesma fora a todas as situações nunca poderá vir-lhe ser reconhecida grande credibilidade.

Não só os sindicatos se recusam a tentar compreender as mudanças no mundo, como nunca reconheceram muitas das falácias sobre as quais basearam a sua actuação durante décadas, mas ainda para mais sentem que têm ainda margem de manobra para esticar a corda. As famosas greves de “fim-de-semana prolongado” são disso um exemplo óbvio. É obviamente uma boa táctica marcar greves para dias apetecíveis e assim conseguir altas taxas de adesão, “provando” assim a validade das razões que motivaram a greve. Mas que estratégia revela tal actuação a longo prazo? Na verdade, nenhuma. Mostra apenas irresponsabilidade e pouca vontade de trabalhar.

Especialmente grave é a acção sindical no sector público. Graves em termos internos e externos. Em termos externos começa a ser óbvio para muita gente que tudo o que é direito adquirido pelo funcionário público é ao mesmo tempo direito suprimido no contribuinte, que se vê privado de mais uma parcela dos seus recursos e, logo, da sua margem de manobra. Não que o funcionário pública não deva ter condições dignas de trabalho, mas é nesse sentido que trabalham os sindicatos? Se o fazem, claramente são mal sucedidos, o que nos conduz ao plano interno. Existe uma classe média relativamente bem paga no funcionalismo público, gozando de regalias e uma segurança sem para. Enquanto isso, os quadros de topo ganham abaixo do sector privado e os quadros juniores (em sentido lato, englobando todas as pessoas que se iniciam) vivem numa situação de quase humilhação. Por mais compaixão que queiram mostrar os sindicalistas, o acumular de direitos adquiridos para a sua classe média comodamente instalada provocou situações de inteira injustiça.

Mas mesmo assim poderíamos dizer que alguns, ao menos, ficaram satisfeitos com a acção sindical. Penso que não o deviam ficar. Os sindicatos optaram pela via fácil de obter um papel assinado que dá mais algum dinheiro, mais possibilidades de falta, mais férias. Contudo, que propostas construtivas deram para melhorar as reais condições de trabalho, para além deste frio materialismo? Os sindicatos que criticam a frieza dos números, pois foi apenas nesse campo que batalharam, criando um exército de desadaptados, pessoas que se sentem inúteis e que perderem a confiança de algum dia poderem fazer algo realmente produtivo. Os sindicatos acabam por ser mais um instrumento do estatismo, assim como os partidos políticos, que ao transferirem as responsabilidades das pessoas para uma entidade abstracta e supostamente omnisciente como o Estado, limitam-se a ser incubadoras de alienados.

MC
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segunda-feira, junho 12, 2006

Che Guevara e o diabo

Morreu o Che Guevara jordano, Al-Zarqawi. Tal como o original, Zarqawi não morreu na sua pátria amada mas em terras estrangeiras combatendo o imperialismo americano. Al-Zarqawi não tem o mesmo carisma do Che. Para já, dificilmente pode vir a ser recordado só por Al, não tem o mesmo punch que Che. Apesar da barba, em termos de beleza física fica a dever muito ao original, e por isso não poderá arrebatar tantos corações femininos e alguns masculinos. Se imaginarmos aquela famosa fotografia de Che, fumando um puro cubano com uma aura de fumo em volta, o que poderá ser o equivalente para o nosso herói jordano? Mascar umas folhas de Qat? Mas o que é relevante é a essência que ambos partilham e talvez algum realizador honesto se lembre de fazer um filme sobre Al-Zarqawi para glorificar a sua figura inesquecível e mostrar o quanto o mundo livre tanto lhe ficou a dever.

Mas não podemos falar só falar de figuras agradáveis, há que fazer contraste e falar do diabo, Bush, lá está. Ao fazer zapping apanhei por breves momentos aquele programa de indigentes que dá pelo nome de Eixo do Mal. Falavam do diabo e parece que um grupo de algumas centenas de historiadores estava em vias de considerar Bush o pior presidente da história dos EUA, especialmente após o Katrina. Nixon e o presidente que ocupava o cargo aquando do crash da bolsa em 1929 também são visados. Isto é tudo muito interessante. Por um lado espanta-me que historiadores se prestem a fazer avaliações assim tão em cima do acontecimento, quando se sabe que a história não deve ser influenciada pelo espírito da época, frequentemente deturpado em relação à realidade. Mesmo casos e personagens já com centenas de anos, como a figura do Marquês de Pombal em Portugal ou Robespierre em França, suscitam ainda debates acesos entre académicos.

Outro factor que parece estar envolvido nesta avaliação é a sorte. Bush teve o azar do Katrina (entre outros), o outro teve o azar do crash da bolsa. Imagino que não lhe chamem questões de sorte ou azar porque me parece que estes historiadores partem de visões estatistas, e aos governantes atribuem todos os males e todas as curas. Esta visão infantil das coisas facilita enormemente a vida aos historiadores, que ficam aliviados do fardo de compreender as situações a fundo e podem escrever a história como um romance “light”, pontilhado por factos que pretensamente comprovem o enredo principal.

Mas pensemos numa destas situações, o furacão Katrina, por exemplo. Longe de mim dizer que a actuação da administração Bush foi imaculada e que o homem está a ser injustiçado mais uma vez. Parece óbvio que existiram falhas. Mas será que é assim tão trivial saber que qualquer um faria melhor que Bush? Recorde-se que o furacão foi o mais forte da história dos EUA, que este país é uma federação de estados com 3 níveis de poder administrativo e, logo, em muitas áreas o governo central não manda nada. Mas mais importante que isto, numa análise comparativa o que conta é saber se outros no mesmo lugar fariam melhor. No contexto actual parece óbvio a milhões que sim, mas isso não passa de uma posição de fé.

Outra vertente que me parece que perpassa nestas análise tem um carácter mais subtil. Nietzsche certamente viria aqui uma prova da vitória dos fracos, dos que se imobilizam e uma condenação daqueles que ousam ir mais longe. Mas é mais grave do que uma questão de preferir a estagnação à acção. Comparemos Clinton com Bush. Parece ridículo, Clinton parece ter vantagem em todos os aspectos, incluindo no campo sexual, não é? O que são as qualidades aparentes de Clinton? Um homem que veio do Arkansas e conseguiu criar uma imagem de sofisticação e inteligência, levando os EUA a um grande crescimento económico e um respeito internacional não generalizado mas ainda assim com bons níveis de aprovação. E Bush? O ignorante que dá mais erros em inglês que uma criança, que por vezes tem tiques de atrasado mental, que provocou um atentado terrorista no próprio país e utilizou isso como desculpa para invadir países ricos em petróleo, enquanto a situação económica dos EUA se degradava. Simples, claro, conciso e parece tão, tão verdade.

No meio disto tudo está uma concepção da realidade semelhante à do antigo Egipto, onde o faraó era um Deus a que tudo de bom e de mau se pode remeter. Na realidade, o presidente dos EUA, por mais poder que tenha, está amarrado por milhares de factores que limitam olimpicamente a sua margem de manobra. A realidade é mais complexa. Clinton, o iluminado, mal fazia ideia dos discursos que ia ler, enquanto Bush os revê criteriosamente. O crescimento económico dos EUA no tempo de Clinton mal se pode correlacionar com o seu presidente. Os ciclos económicos são naturais e quando Clinton deixou a presidência já se estava em contra-ciclo há vários meses. Bush herdou uma situação de inevitável declínio relativo, errou ao ser um enorme despesista (talvez fazendo jus ao boato da sua ascendência portuguesa), acertou ao baixar os impostos. Melhor ou pior que Clinton neste aspecto? Não sei.

Em relação ao terrorismo, Bush decidiu agir, perseguir os terroristas. Invadiu o Iraque, talvez um erro brutal, talvez. Conseguiu atrair para si uma onde de reprovação sem precedentes bem como para a sua nação um anti-americanismo cego. Clinton não fez nada, esteve bem? A administração Clinton teve boas oportunidades para neutralizar grupos terroristas mas para não manchar a boa imagem pública optou pelo deixar andar. Há quem ache que esta actuação foi de tal forma gravosa que permitiu o 11 de Setembro, além de que os actos que Clinton não cometeu foram de tal ordem que só podem ser classificados como alta traição e o homem devia ter saído directamente da presidência para a penitenciária. Exageros? Talvez, mas não maiores do que aqueles que se cometem em avaliar a presidência Bush.

Eu próprio já senti, por inúmeras vezes, uma tendência para falar mal de Bush e dos americanos em geral. De facto, a vontade de estar em conformidade com o tempo em que vivemos é enorme, mas é também uma suprema cobardia. Churchill ou Reagan foram imensamente criticados no seu tempo mas a história fez-lhe justiça. Bush não vai subir ao mesmo pedestal. Por muito que custe a alguns, as análises sérias vão avaliá-lo entre o medíocre e o médio, talvez dentro da média. Mas os tais historiadores iluminados limitam-se a fazer avaliações como qualquer grunho no café.

Uma boa amostra dessa avaliação viu-se agora antes do mundial. Numa reportagem mostrava-se a segurança “excessiva” em relação à equipa de futebol americana. Inclui-se na reportagem uma avaliação sábia de pessoas que estavam “por ali” e que conseguem logo encontrar teorias inovadoras. Um deles dizia que até certo ponto percebia que tinham de ter algumas preocupações com a segurança, mas aquilo era demais. Porque tanta segurança podia fazer que os terroristas ainda tivessem mais vontade de causar atentados já durante o mundial, o que seria muito pior. Fantástico! Seria melhor os americanos sacrificarem já a sua equipa para depois o mundial correr na maior para os outros países. Porque agora se acontecer alguma coisa, a culpa é dos americanos, é do Bush, é da invasão do Iraque. A estupidez desta avaliação é por demais evidente, mas alguém duvida que a ocorrer algo de grave as opiniões dominantes irão todos neste sentido?

Por último, a questão, grave, do alegado massacre cometido por tropas americanos no Iraque há uns meses atrás. Dando de barato que ocorreram mesmo (porque já me habituei a ver notícias destas falsificadas), imagino que seja matéria ideal para provar a maldade dos americanos, se bem que a cereja em cima do bolo seja “provar” que tudo isto tenha sido ordenado pelas chefias mais altas, quem sabe o Rumsfeld ou o próprio Bush influenciado por conversas diárias que tem com o Senhor. Tudo isto é puro niilismo. Também não serve de grande consolação saber que a democracia americana irá punir severamente os culpados, como mais nenhuma outra em qualquer outra parte do mundo o faria. E isto não serve de consolo porque a prevenção falhou.

Quando a instituição militar americana gasta quantias astronómicas em tantos projectos, não podiam investir mais no próprio capital humano e no seu controlo emocional para minimizar a probabilidade de situações como estas? Os olhos do mundo estão posto na ínfima coisa que os seus soldados façam e poucas coisas podem minar tanto a credibilidade de um país como acontecimentos como este. Mesmo que o Iraque se torne num país estável, harmonioso e próspero, durante décadas eventos como este serão lembrados. Um soldado tem que ser corajoso, mas a diferença entre a coragem e a inconsciência está no controlo. Se os EUA querem ganhar alguma credibilidade, devem banir todos os inconscientes do seu exército (em sentido lato). Vão ser odiados na mesma por meio mundo, contudo, a probabilidade de ocorrerem actos odiosos que perdurem nas consciências indelevelmente será muito menor. Penso que é um investimento muito melhor do que refinar cada vez mais o equipamento militar (excepto quando se aposta na precisão que pode baixar o número de vítimas), até porque mais ninguém já lhes faz concorrência nesse aspecto.

MC
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Alvo fácil

Devido a ausência meio forçada, que me impediu manter a actualização semanal, ao longo desta semana e com carácter excepcional, serão colocados alguns posts para manter a “conversa em dia”.

Há umas semanas atrás a RTP mostrou uma reportagem chocante, que evidenciava as péssimas condições de “ensino” de uma escola da grande Lisboa. Uma rotina de agressões constantes, ameaças a professores e até mesmo assédio sexual por parte de adolescentes demasiado precoces. Casos excepcionais que surpreenderam o secretário de estado, que pensava já ter dominado a situação. O que me surpreende a mim é estes indivíduos em posições de topo acharem que problemas graves se resolvem com uma “task-force” e não conhecerem quem lhes dá a informação “credível”. Mas chega de frases com aspas.

Pessoalmente não me surpreende nada este tipo de situação, uma vez que ao longo dos anos tenho mantido contacto informal com vários professores de secundário e observado o seu desânimo progressivo, as suas queixas em relação à perda da autoridade, as chantagens dos pais e tudo mais. Por isso, bastava fazer uma ligeira extrapolação para as escolas em locais mais problemáticos e imaginar o caos total como o resultado mais previsível. E é neste paroxismo que surge a proposta de avaliação dos professores, após a ministra os nomear como principais culpados do estado de coisas.

A questão da avaliação dos professores e a sua aplicação prática neste momento não é uma questão simples. Penso que a ideia da avaliação é positiva mas é compreensível que muitos professores achem que se trata da machadada final da figura do docente. É certo que parte da reacção negativa aconteceria sempre e penso ser injustificada, porque é mero corporativismo, imobilismo, tão típicos do funcionalismo público. Contudo, é de elementar bom senso prever uma reacção apavorada dos professores ao saber que os pais iriam também fazer parte do sistema de avaliação.

Os professores vêm hoje em dia os pais como indivíduos totalmente alheados da educação dos filhos, que só aparecem na escola para pressionar, quando não ameaçar, os professores no sentido dos seus filhos não ficarem pelo caminho ou de terem melhores notas em relação ao que merecem. Num clima já de chantagem, isto parece ainda reforçar o poder do chantagista. Os defensores desta avaliação dizem-nos que a avaliação parental é apenas uma das componentes do processo e que ficará a cargo de uma entidade independente. Dizem-nos também que os professores não devem temer uma avaliação negativa de alguns pais porque o que o que conta é o global e as avaliações positivas cancelarão as negativas. Dizem também que esta medida servirá para que os pais se envolvam mais na escola e não tenham um papel tão demissionário como até agora.

Apesar de concordar genericamente com a ideia da avaliação e de achar que aqui há coragem política, e ressalvando que conheço da proposta apenas o seu esboço, parecem-me existirem alguns problemas que podem minar a sua implementação. Vejamos a questão da estatística, onde as más amostras são engolidas pelas boas. Isto é, defende-se que em média a avaliação será justa (e é a “média” que conta) porque se alguns pais ressabiados fizerem uma avaliação injusta pela negativa do professor, outros poderão fazer o oposto e a distribuição serão uma gaussiana. Acontece que não se pode fazer esta inferência porque não se está a lidar com um fenómeno físico sem vontade mas sim com pessoas que se adaptam às circunstâncias. Concretizando, os alunos/pais até podem ser estúpidos mas não são parvos e é óbvio que eles não querem ser avaliados justamente mas o melhor possível. Não são apenas os maus alunos mas também os bons e os medianos que terão tendência para fazer pressão. E se um professor ceder num caso ver-se-á quase obrigado em ceder em todos. Na verdade, os pais/alunos podem chegar em conjunto à conclusão que vale a pena pressionar em bloco, no sentido das notas globalmente terem um desvio para a direita e assim os maus alunos serem avaliados como medianos, os medianos como bons e os bons como excepcionais. Aparentemente todos ficam a ganhar, o professor fica descansado e quando a dura realidade bater a porta mais tarde ninguém se irá lembrar de nada.

Vamos agora imaginar que o sistema de avaliação é concebido de tal forma que as possibilidades de pressionar os professores são muito reduzidas e estes podem avaliar correctamente os alunos. Ora, isto entra em contradição com o objectivo da medida de chamar os pais para a escola, porque só alguém muito ingénuo pode acreditar que os pais vão-se interessar pela avaliação se ela “não servir para nada”, ou seja, se não servir para pressionar.
A própria ideia da avaliação dos professores parece anacrónica nesta altura, quando os próprios alunos quase não podem ser avaliados sob pena de incorrerem em risco de derrame cerebral. Por isso, mais prioritária que a avaliação dos professores devia ser a avaliação dos alunos e de forma cada vez mais rigorosa e imparcial, com recursos a exames nacionais. Em toda esta problemática parece haver uma vaga de fundo positiva, quando se reconhece, mesmo que implicitamente, que o “eduquês” foi um fracasso e que é preciso voltar a dar alguma autoridade aos professores. Contudo, ainda é muito pouco porque o problema fundamental do ensino ainda não foi diagnosticado pela maioria. Grande parte dos problemas da Educação tiveram origem na sua excessiva centralização. Paradoxalmente, tal originou um caos que faz a maioria suspirar por decisões ainda mais centralizadas. Enquanto a caixa de Pandora a estiver aberta podemos esperar o pior.
MC
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