sexta-feira, junho 24, 2005

O paradoxo socialista

O socialismo caracteriza-se pela prática da redistribuição. Para tal, efectua dois tipos de justificação. A mais moderna fala da solidariedade e da coesão social. A explicação clássica é mais dura, exigindo a redistribuição de riqueza porque ela foi obtida através da exploração. Esta lógica parte do pressuposto errado de que a economia é um jogo de soma nula. Sem querendo negar que vários tipos de exploração são possíveis, é evidente, para quem quer ver, que a soma final pode ser positiva e todos ficam a ganhar.

Contudo, o paradoxo do socialismo clássico está em basear-se no princípio do jogo de soma nula para justificar a redistribuição, mas quando chega ao momento de avaliar as suas consequências práticas, esquece-o completamente. Porque no momento em que se distribui a riqueza, de facto é uma jogada de soma nula. A riqueza que é dada a uns não pode ser investida por outros. O socialismo clássico gosta sempre de enaltecer o que faz pelos pobres com a redistribuição, esquecendo aquilo que os mesmos desfavorecidos perdem devido à mesma redistribuição. O socialismo clássico não esconde que a redistribuição afecta os mais abastados, mas até o afirma com orgulho, porque trata-se de uma vingança em relação ao pecado original.

Contudo, o socialismo moderno, que já não usa os estereótipos gastos de inspiração marxista como a “exploração do homem pelo homem”, incorre também numa lógica paradoxal. Porque a redistribuição socialista acaba também por ser incompatível com os objectivos propostos de coesão e solidariedade. Aqui importa clarificar o que entendo por redistribuição socialista. Porque conservadores e mesmo alguns liberais defendem algum grau de redistribuição também. O que distingue os socialistas é colocarem a redistribuição como um princípio fundamental e, logo, os níveis de redistribuição socialistas tendem a ser muito maiores do que de governos conservadores (excluo aqui os governos liberais porque nunca existiram).

O objectivo da coesão social não se consegue eliminando as diferenças entre ricos e pobres, mas sim tornando uma sociedade gaussiana, ou seja, com uma forte classe média. Quando a redistribuição atinge níveis muito elevados, deixa de haver qualquer motivação para a criação de riqueza. Passam a ser todos pobres e só com uma grande dose de romantismo podemos achar que a pobreza está eivada de virtudes. Os governos socialistas nos países democráticos não cometem este erro, em geral, adoptando níveis de redistribuição mais baixos. Contudo, muitas vezes ainda são demasiado elevados e a consequência é precisamente acabar com a solidariedade, um dos fins nobres a que se propuseram.

A solidariedade estatal nunca é vista como tal. Para uns é uma questão de direitos adquiridos, para outros é a expropriação indevida do que é seu. Os que foram obrigados a dar, perdem qualquer ímpeto solidário, acham que já deram demais. Os que recebem continuam a achar a sociedade fria e cruel, porque a solidariedade estatal é impessoal, e eles acham que apenas recebem o que lhes é devido. Ao mesmo tempo, esta redistribuição forçada e em larga escala mata uma dinâmica social que poderia, essa sim, ser realmente solidária.

MC
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Ilha da Páscoa


Gerês, Novembro de 2004, MC.

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quinta-feira, junho 23, 2005

Teste rápido

Porque razão deve o peso do Estado diminuir? Escolha uma das seguintes hipóteses:

A) Porque é uma indicação de Bruxelas;

B) Porque essa é a única forma de promover o crescimento económico de forma sustentada e saudável;

C) O Estado não deve reduzir o seu peso. A pergunta é incorrecta e tendenciosa;

D) Essa questão não é importante. A preocupação deve ser o combate à evasão fiscal e a taxação das grandes fortunas;

E) Num momento de crise, não devemos deixar que as questões económicas monopolizem o debate. A política não se deve submeter à economia.

MC
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terça-feira, junho 21, 2005

O galo europeu

Uma das consequências do 11 de Setembro foi a criação artificial de uma clivagem entre a Europa e os EUA. Falo artificial porque foi movida essencialmente por uma intelectualidade esquerdista, apoiada numa comunicação social pouco rigorosa e propagandista, apadrinhada ainda por políticos fracos, tanto de partidos de governo como oposicionistas (no que se refere à Europa).

Contudo, os povos americanos e europeus não tinham em si motivos para manter o conflito. Possuem muitas afinidades, europeus e americanos trabalham juntos em muitas coisas, os europeus continuam ver filmes americanos e a beber coca cola, e os americanos ainda olham com um encanto nostálgico para a Europa. A reeleição de Bush e a acalmia do conflito no Iraque fizeram esfumar a clivagem. Ao contrário do que muitos previram, um segundo mandato de Bush seria sempre causador de um maior apaziguamento nas relações Europa-América do que a eventual eleição de Kerry.

A razão é simples. Kerry, bem como os democratas, têm uma imagem interna de alguma debilidade em questões que têm a ver com segurança. Uma administração democrata iria ter a tentação de engrossar a voz em relação aos europeus para mostrar força, mas em relação a Bush já não havia nada a provar. A segunda administração Bush, com o trabalho “sujo” já efectuado no primeiro mandato, pode agora apostar nas relações públicas, fazer umas fotos de família com os europeus e serem todos amigos outra vez.

Contudo, o que me motivou a escrever este post foi um outro assunto relacionado. O 11 de Setembro despertou na Europa bem pensante um sentimento de superioridade moral em relação aos EUA. A megalomania europeia extravasou e passou a achar que a Europa era superior em tudo, inclusivamente em áreas em que o atraso europeu é gritante. Para justificar este paradoxo, a intelectualidade falava nos modelos e na superioridade do europeu. Assim, mesmo que os EUA parecessem na situação actual mais avançados em algumas áreas, o seu modelo sofreria de falhas que o fariam entrar em colapso em breve e a Europa sairia rainha e senhora. Para provar tudo isto, davam-se uns exemplos avulso de debilidades que os EUA realmente têm, misturadas com uma série de dados falsos que foram engolidos com a maior das facilidades por um auditório crente.

Contudo, passado pouco tempo, o que começou a ser evidente foram as debilidades do modelo europeu. Uma pretensa união entre os europeus aquando dos momentos de maior clivagem com os EUA mostra agora ter sido artificial. Políticos sem chama apresentaram um tratado constitucional como um dado adquirido. Mas os europeus não sentem qualquer identificação continental, preocupam-se todos apenas consigo mesmos. É curioso ter sido precisamente o modelo social europeu o responsável por se ter chegado a esta situação de egoísmo extremo. Se a criação do modelo social pode ter-se devido a razões altruístas, a sua manutenção no estado actual deve-se a motivos bem mais obscuros. Solidariedade é apenas uma palavras que aqueles que se habituaram ao parasitismo usam como chantagem.

De forma simplista, alguns admitem agora que a Europa está em crise baseados apenas na rejeição do tratado constitucional pela França e pela Holanda e pelas dificuldades em aprovar o orçamento comunitário. Como se isto não fossem apenas os sintomas de uma doença terminal. Claro que a simples rejeição do tratado em referendo não é, só por si, boa ou má. Mas o contexto em que tudo aconteceu, a chantagem que havia meses pairava no ar, com ameaças de expulsão de países em caso de rejeição do tratado e depois a forma emocional, meio histérica como foram recebidas as rejeições mostram uma debilidade gritante.

Ao mesmo tempo, começam a acentuar-se clivagens internas em relação aos dinheiros. Os países pequenos berram todos a querer mais e mais, porque já se habituaram ou porque outros já tiveram os mesmos benefícios. Aquela tirada do Sócrates, onde interrompeu o chanceler alemão para dizer algo como “a atenção que a Alemanha terá para a situação portuguesa é a mesma que Portugal terá para a situação alemã” é de um ridículo atroz. Pensou Sócrates que assim colocava a Alemanha entre a espada e a parede? Com que argumentos? Que tem Portugal para dar à Alemanha? Quanto já deu a Alemanha a Portugal? E obviamente que enquanto existir uma PAC assim haverão justificações para existirem todos os “cheques britânicos”.

Acima de tudo, muitos já se aperceberam que o modelo social é perverso. Os países grandes não o podem dizer, para não serem acusados de falta de solidariedade. Ao mesmo tempo, bloqueiam decisões que possibilitariam países pequenos de ser mais competitivos. E os países pequenos salivam na ânsia de obter dinheiro fácil e também não querem arregaçar mangas. E para tudo isto, o único consenso é o do proteccionismo. Quem iria dizer que o modelo salazarista do “orgulhosamente sós” iria ter um sucesso continental?
Adenda:
Entretanto, fiquei a saber que todos os países da EU, excepto Portugal, aumentaram as emissões de CO2 em 2003. Depois de criticarem tanto os EUA por não aderirem ao Protocolo de Kyoto, esta é uma evidência da hipocrisia europeia. O facto de Portugal ter diminuído as suas emissões penso justificar-se com o aumento do preço do petróleo e com a nossa maior pobreza em relação aos restantes países da EU (na altura apenas 15) e não com algum aumento de consciência ecológica que, como sabemos, é muito escassa por terras lusas.
MC
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quarta-feira, junho 15, 2005

A extrema-direita sai à rua

O recente assalto em matilha na praia de Carcavelos foi um pretexto que a extrema-direita portuguesa utilizou para anunciar uma manifestação pública. Trata-se de uma tentativa de utilizar em benefício próprio a insegurança de muitas pessoas, conjugada com laivos de xenofobia que são frequentes neste país. Conjugando isto ainda com um já longo período de debilidade económica e com poucas perspectivas de melhoria, seria de prever que este tipo de movimentações tivesse algum apoio, nem que fosse circunstancial.

Contudo, a última manifestação da extrema-direita portuguesa teve cerca de 150 participantes, não sendo de esperar um apoio muito maior desta vez. A conclusão que podemos tirar é simples: A extrema-direita em Portugal não existe, não passam de meia dúzia de jovens com traumas mal resolvidos e com dificuldades de adaptação. Claro que ainda há bastantes saudosistas do antigo regime, mas nesta altura quantos deles não estarão a chorar lágrimas por Álvaro Cunhal?

Mas não existindo extrema-direita em Portugal, que sentido tem toda aquela ladainha antifascista que muitos ainda têm na ponta da língua? Compreendo que tem um lado romântico ser um D. Quixote dos tempos modernos, que luta contra moinhos de vento (os fascistas inexistentes). O que não compreendo é a credibilidade que é dada e estes Quixotes, assim como as suas versões mais “modernaças”, que são os ecologistas radicais e os anti-globalistas. Também temos medo de ser sérios?
MC
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segunda-feira, junho 13, 2005

Há esquerdas e esquerdas

Quando se diz que a comunicação social, assim como a intelectualidade bem estabelecida, é dominada pela esquerda, é preciso sabermos de que esquerda se está a falar. A forma como a generalidade da comunicação social tem lidado com a morte de Álvaro Cunhal mostra que o PCP não faz parte da esquerda politicamente correcta. Isso pode não ser óbvio, devido à nossa tradição de usar a morte como uma forma de expiar os pecados e tornar todos os falecidos pessoas boas. Desta forma, os jornalistas não mostram uma hostilização frontal aos comunistas.

Contudo, nas várias entrevistas que tenho visto, o jornalista de alguma forma parece querer passar a mensagem de que o comunismo é errado. No telejornal da RTP, perguntavam em directo a uma jovem membro do PCP, se ainda acreditava no ideal comunista. Nesta altura, isso não seria muito diferente de ter perguntado a alguém no Vaticano se acreditava em Deus, aquando da morte do Papa. E em geral não têm sido poupadas críticas a Álvaro Cunhal, nomeadamente em relação ao período após o 25 de Abril de 74.

A minha estranheza de tudo isto está em ver o tratamento que os media dão a outras esquerdas, nomeadamente a bloquista. Não é por uma questão de justiça que a comunicação social dá umas alfinetadas nos comunistas nesta altura. É apenas porque não se trata da esquerda politicamente correcta. Nunca se viu um jornalista perguntar a um bloquista qualquer se acredita nos disparates que professa, nem o confrontar com as mentiras que fazem parte do seu dia a dia. Nunca se viu um jornalista questionar o financiamento do BE, nem sobre quais são os planos para o país que têm. Nunca lhes perguntaram que ideologia realmente professam porque, não se assumindo como comunistas, nunca se lhes viu diferenças no que há de fundamental. Nunca os questionaram sobre a legitimidade de se assumiram como os guardiães de uma nova moral, julgando tudo e todos.

MC

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sexta-feira, junho 10, 2005

Deusa de areia


Fiesa em Pêra, Agosto de 2004, MC.

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quarta-feira, junho 08, 2005

Quando a inveja fala mais alto


A inveja, a existir, é quase sempre a força dominante em acção. Vem isto a propósito do tiro no pé dado por este governo, ao anunciar mexidas nos privilégios de políticos. Tem isto duas consequências, uma delas relativamente inócua. Essa, faz os holofotes incidirem em cima dos políticos de carreira, que sem os privilégios que assim obtém, nunca teriam méritos suficientes para obter rendimentos e honrarias comparáveis. Contudo, esse tipo de políticos não se importará muito de serem permanente enxovalhados uma vez que aquilo que os caracteriza é precisamente a falta de coluna vertebral. O corte de privilégios a estes políticos, em especial, devia ocorrer não porque estamos numa situação difícil mas simplesmente porque isso é moralmente correcto (das muitas morais existentes, quase todas concordarão com isto). Contudo, penso que esses privilégios, desaparecendo agora, irão aparecer de forma dissimulada no futuro.

Contudo, há uma consequência bem mais negativa neste processo. Num país em que “mérito” é um conceito muito mal assimilado, torna-se difícil distinguir o trigo do joio. Certos cargos, dos quais depende um grande número de pessoas e/ou pelos quais se movimentam avultadas somas financeiras, é essencial que sejam ocupados por pessoas de elevada competência. Pessoas assim são raras em qualquer lugar e ainda mais em Portugal, tão carenciado que é em recursos humanos de elevada formação. Naturalmente que estes mesmos recurso valiosos são disputados pelo sector privado, que tendo uma atitude muito mais realista, não hesitará em os contratar, pagando o que eles merecem.

Num momento em que se ganhava uma ténue consciência na sociedade portuguesa de que estas pessoas deviam ser bem pagas quando ocupando cargos públicos de grande importância, ocorre este golpe de teatro mal encenado. Deu-se palco para todas as invejas puderem se exprimir de forma cega. No mesmo saco coloca-se aquele que é competente com o político carreirista medíocre. Nem parcas soluções de racionalização do sistema são avançadas, como se a solução única fosse condenar ambos a pão e água.

Mas as soluções até são simples, apesar de difíceis de aplicar. Mesmo sem advogar o estado mínimo, boa parte destes problemas eliminar-se-ia transferindo algumas funções do estado para sector privado ou, então, com a simples eliminação (há serviços que só atrapalham). A outra solução, a aplicar em paralelo, seria um assumir claro de quais as funções do estado que necessitam de pessoas de máxima competência. Essas pessoas são as que têm reconhecido mérito e o reconhecimento desse mérito deve ser feito com remunerações adequadas. Poderá parecer uma situação imoral, quando se compara com tantos ordenados baixos, mas a comparação deve ser feita com as outras opções alternativas. Porque nãos atraindo os melhores para esses lugares, eles não irão ficar vagos, isso é certo. E os candidatos melhor colocados para ocuparem estes cargos são precisamente os políticos carreiristas medíocres. E alternativa poderá sair bastante mais cara.

MC

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segunda-feira, junho 06, 2005

Nacional e Internacional


UM GOVERNO ÀS DIREITAS

A contestação a este governa aumenta. Só podemos ver isto como sinal positivo. De certa forma, parece que já vimos este filme algures. Alguém que ganha eleições prometendo baixar impostos e a primeira decisão de fundo que toma é aumentá-los. De seguida anuncia a tomada de medidas de austeridade que provocam uma contestação geral. O governa diz que vai realizar reformas profundas, que não passarão de meros paliativos, quanto muito poderão melhorar as contas públicas sem mexer no problema de fundo. Com o passar do tempo, essas reformas passarão a retoques para acalmar a contestação. No fundo, o governo não irá resolver problema algum e ficará mal visto por todos. O Presidente da República irá... Mas é melhor não contar o filme todo, para não perder o interesse.

CONSTITUIÇÃO EUROPEIA

Antes que me corrijam e digam que não é Constituição mas Tratado Constitucional, digo que tal distinção não me interessa fazer agora. Ao contrário de muitos, não tenho uma opinião ainda formada sobre o dito documento. Contudo, penso que se está a passar na Europa algo terrivelmente estranho. Sempre me disseram que em democracia ganha-se ou perde-se. Perder não é uma humilhação, há que saber respeitar os resultados, haverá outras oportunidades, etc.

Contudo, percebo agora que no caso dos referendos sobre o documento, a única votação admissível era o SIM. Parece que nem por um momento passou pela cabeça destes políticos que, havendo dois resultados possíveis, o NÃO podia ganhar. Nunca tinha assistido a votações em que existisse uma tão grande chantagem sobre os cidadãos. Dizem-nos que o NÃO significa o fim da Europa. Ficamos assim a saber que a constituição era a única coisa que poderia viabilizar o futuro europeu. Tentam meter-nos medo com os americanos, os chineses, os indianos. Dizem-nos que renegociar o tratado é impossível, e não se apercebem que tudo começou mal por ter sido uma negociata que visava a satisfação de egoismos.

Por outro lado, quando argumentamos que a Constituição Europeia vai tirar soberania aos estados, dizem-nos que não, que é um documento que vai alterar pouco ao actual estado de coisas. Sendo assim, como é possível ser este um documento salvador? Parece-me, antes, um documento na senda de outros flops como a Estratégia de Lisboa. A Europa política perde a grandiosidade que pensa ter tido em tempos e acha que a salvação se faz, ao invés de com trabalho e coragem, com uma re-organização de poderes. Por outro lado, os principais (ou melhor, os mais visíveis) opositores à Constituição apegam-se a nacionalismos bacocos ou às eternas marchas anti-sistema, anti-capitalismo. Por isso, com ou sem Constituição, o futuro da Europa parece ser o lento e agonizante definhar.

MC

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