quarta-feira, março 30, 2005

Formas de enriquecer – Factor X


Ser autarca, aparecer um projecto viável do empreendedor X, bem estruturado, cumprindo todas as normas. Não dar qualquer provimento a esse projecto, esperar, não atender os telefonemas se X telefonar. Se X mandar cartas, ignorar ou responder de forma evasiva. Esperar... E talvez X se lembre, finalmente, que há outras formas de resolver o assunto

MC

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segunda-feira, março 28, 2005

Sabedoria europeia


A Europa continua na vanguarda do bom senso, que tão bem soube por em prática quando deu origem a duas guerras mundiais e na criação e expansão das 3 ideologias totalitárias mais relevantes (comunismo, nazismo e fascismo). Agora a Europa mostra como se deve lidar com uma potência em expansão, como a China.

Por um lado, tentamos por todos os meios impedir que eles nos dêem o melhor que têm, que são os seus produtos, cada vez com mais qualidade e a preços imbatíveis. Sempre se consegue atrasar um pouco o desenvolvimento económico chinês (e o nosso já agora, mas gostamos de ser solidários) e, consequentemente, adiar também uma mudança para um regime livre. Mas para consolidar as pretensões imperialistas que o regime chinês ainda alberga, tão bem demonstradas recentemente pelas posições hostis em relação à Formosa, a Europa disponibiliza-se para vender armas ao desprotegido exército chinês, que não pode ir ao embate contra Taiwan assim de mãos vazias.

José Sócrates saúda o trabalho de Durão Barroso, o que é um bom indício da excelência do trabalho deste último na presidência da Comissão Europeia. Barroso relança a estratégia de Lisboa (um novo leit motiv europeu, que faz lembrar aquele dito dos salazaristas saudosistas que afirmavam que “Angola ainda há-de voltar a ser nossa”). Os países “grandes” dão o seu contributo para tal, exterminando o Pacto de Estabilidade e Crescimento, e por cá soltam-se foguetes, porque, enfim, precisamos por acaso de ter estabilidade e crescer?

Mas a Europa tem o seu modelo social, e isso não se discute. Temos o nosso modelo social xenófobo, que admite estrangeiros para realizar trabalhos menores (ficando devidamente acondicionados em guetos) e nada de misturas. O modelo de castas, a casta dos que produzem e a casta dos que recebem, quase tão numerosa como a anterior, que visto assim também se podia chamar de modelo social parasita ou modelo social semi-escravo.

Finalmente, a Europa é a reserva moral do mundo. O que seria deste planeta sem a inspiração niilista europeia, sem o nosso relativismo absoluto? Estaríamos perdidos sem estas armas, pois caso contrário teríamos de assumir responsabilidades, fazer escolhas. Assim é muito melhor podermos estar num imobilismo constante, criticando facilmente os outros, porque afinal, não há bem nem mal, todos somos iguais e o terrorista não é pior pessoa que qualquer um de nós.

MC

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Preguiça, a quanto obrigas


Estão cá uns coreanos no meu departamento, com os quais não tenho contacto directo, que vieram para resolver alguns problemas em relação a uns equipamentos. O problema parece ser complicado e eles nem pensam ir almoçar. Só sairão daqui quando tudo estiver em ordem.

Poderá parecer que eles não fazem mais que a sua obrigação, mas não é bem assim. Várias empresas fornecem equipamentos semelhantes, todas elas grandes empresas internacionais bem conhecidas de todos. Normalmente, até o equipamento ser lançado, são necessários vários passos, melhorando vários aspectos até se chegar a um patamar de qualidade requerido, com várias versões de software, num processo que pode demorar semanas ou meses. Mas estes coreanos não se satisfazem com esta metodologia. Se há um problema, há que fazer tudo por tudo para o resolver no mínimo espaço de tempo, mesmo que não haja uma aparente urgência.

Esta atitude é comum em qualquer lado quando se tem de manter um serviço em funcionamento ou uma linha de montagem, em que cada minuto perdido significa muito dinheiro. Mas ver esta atitude em relação a coisas que poderiam esperar, revela a que ponto estamos de sermos competitivos com certos países. Precisamos de um choque competitivo, que é algo que não é possível seguir a partir de uma receita. Mas se não queremos ser como os coreanos, sem almoço, sem férias e apenas com o domingo para descansar, certamente não podemos ficar como estamos por muito tempo.

MC

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segunda-feira, março 21, 2005

O cravo e a ferradura


O nosso governo parece andar indeciso entre o cravo e a ferradura. Por um lado, dá indícios de querer bater forte na ferradura, porque sabe ser isso inevitável, mesmo que custe de início. Por outro, ainda está um pouco refém da época dos cravos, das esperanças ilimitadas. Os cravos murcharam, por isso os seus defensores andam irados.

Mas como bater na ferradura? O anterior executivo dizia que era difícil, mas tinha de ser. Má pedagogia. Não foi lançado nada de aliciante, nenhum desafio, apenas um apertar do cinto. A governação de Sócrates tem mostrado alguma coragem, com a questão dos medicamentos de venda livre e agora com a anunciada redução das escandalosas férias judiciais. São duas medidas que mexem com interesses poderosos. Mas não foram anunciadas medidas que mexam com as pessoas. Aqui o PS cede aos cravos, talvez por acreditar que a coesão social se consegue com proteccionismo.

É ainda muito cedo para saber se a ferradura se sobreporá ao cravo, mas para sermos bons cavalos de corrida e juntarmo-nos ao pelotão da frente, não chegaremos lá com cravos.

MC

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Futebol...


Não gosto de falar de futebol, porque assuntos de religião não são para ser debatidos na praça pública. Mas quando vejo hoje, no dia se um Sporting-Porto, tantos adeptos sportinguistas a desejar que o seu clube perca, apenas para “lixar” o Benfica, significa isto que algo vai mudar no futebol português.

MC

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quinta-feira, março 17, 2005

A procura do pai protector


Em várias artes em que intervenha uma relação mestre/discípulo, é bem conhecido o perigo do efeito da busca do pai. Acontece a muitos indivíduos que, ao invés de fazerem da arte uma forma de fortalecer o espírito, uma melhoria contínua e desapegada, fazem antes um jogo emocional, em que vêm no mestre um substituto do pai, que lhes ralha, lhes impõe respeito e do qual dependem para quase tudo. Traumas e infâncias mal passadas levam a estas ocorrências. Contudo, existe uma relação semelhante entre muitos adeptos do estatismo, que procuram no Estado um pai que os proteja de todas as intempéries, mesmo que isso nunca os permita crescer e tornarem-se autónomos.

Entre estes, há uma classe especial, de intelectuais justificativos, que defendem o estatismo de uma forma completamente paternalista. Talvez eles não reparem, mas em geral as suas defesas assumem um constante. Existe uma premissa inicial que assume que as pessoas são parvas, não sabem o que querem, são incapazes de terem iniciativa e se forem livres vão fazer disparates. Com base nestas assunções, lançam previsões catastróficas se a venda de medicamentos que não precisem de prescrição médica for livre ou se for dada autonomia às escolas, só para referir dois exemplos.

Este tipo de chamadas de atenção faz lembrar o comportamento de pais super-protectores, que querem defender os filhos de todas as dificuldades do mundo, mas que acabam apenas por lhes tornar a vida mais difícil, no longo prazo, por lhes vedarem as oportunidades de crescerem, aprenderem a lidar com situações difíceis. Da mesma forma, os estatistas têm medo, medo de serem livres, e querem que todos partilhem do seu medo. Persistem numa constante fuga à realidade, apontando continuamente os perigos de não existir um Estado protector, como se existisse algo que não Deus (para quem ainda acredita) que pudesse dar a protecção que invocam.

Nem sequer penso que haja razões para procurar consensos, na busca de um equilíbrio, de saber qual é o nível de protecção mínima que deve dar o Estado. Eu acho que o Estado tem o direito de dar essa protecção mínima aos cidadãos que ficam desamparados, mas não tenho certezas do seu alcance. Prefiro ir ouvindo opiniões mais abalizadas que as minhas, resultados de estudos e experiências que já existam. Contudo, já por várias vezes pude constatar que os estatistas não procuram saber qual a melhor opção, como se pode melhorar. Os estatistas limitam-se a espernear, como crianças que choram como medo que se lhes apague a luz, por recearem o escuro. E infelizmente, num diálogo entre a razão e o medo, este último ganha quase sempre.

MC

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terça-feira, março 15, 2005

O novo moralista (6)


Pensei terminar esta série com alguns esclarecimentos sobre quem é o moralista, tanto o antigo como o novo. É mais fácil pensar no moralista como uma pessoa ou um determinado grupo, uma imagem que nos fica de filmes e romances. Assim os antigos moralistas eram os padres e os novos o pessoal da esquerda caviar. Contudo, penso que uma identificação assim tão rápida não é de todo adequada.

Não quero eu negar que determinados grupos não tenham tido especial importância na constituição da pratica moralista, mas eles, por si sós, pouco conseguiriam. O que acho inegável é que o moralismo só pode ser um fenómeno relevante a partir do momento que ele é aceite e praticado um pouco por todos nós. A partir do momento em que cada um cede à facilidade de atacar, censurar ou insultar alguém em nome de um valor, está a ser moralista. Posto desta forma, o moralismo não é imediatamente condenável. Porque temos todos o direito de censurar alguém que mata, por exemplo. Há uma série de valores que nos parecem já adquiridos. Outros há que, à distância, nos parecem errados. Contudo, como saber os valores que em cada época estão errados?

A questão não é fácil. Como considerar o que é certo ou errado? Diz-nos a religião? Escolhe-se por forma a maximizar o bem comum? Ou o individual? Ou a liberdade? Todos nós somos influenciados por estas tendências, que por vezes conduzem a resultados contraditórios. São questões que continuarão em aberto por muito tempo.

Talvez só haja futuro para a humanidade se conseguir cultivar alguns valores. Mas para que isso aconteça, penso que a atitude do “moralista”, que ataca cobardemente, não é positiva. Porque se moralizamos os outros mentindo, agredindo, julgando sumariamente, impedindo a discussão, somos nós próprios que colocamos os valores em causa com a nossa actuação.

MC

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segunda-feira, março 14, 2005

Comente, SFF


O sistema de comentários inserido no blogger não é muito amigo do utilizador. Por isso, agora este blog tem outro sistema de comentários mais amigável.

MC

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O novo moralista (5)


O novo moralista é também um pragmático, sabe adaptar-se aos tempos. Como disse anteriormente, tornou termos como capitalista e neo-liberal adjectivos negativos, mas fica-se por aí por saber que não tem argumentos que possa esgrimir de forma coerente. O seu pragmatismo leva-o a rejeitar discussões sobre estas teorias e práticas, mas também o leva a rejeitar rótulos que se tornaram desagradáveis, como “comunista”. Tenho também que admitir que o novo moralista não tem o poder quase absoluto que tinha o antigo moralista. Por isso, o novo moralista, não pode furtar-se sempre ao debate.

As estratégias de debate do novo moralista são várias. Entre elas, encontra-se o anunciaram-se como Os Defensores dos valores sociais, o insultar dos seus adversários, para que estes fiquem diminuídos e negativamente rotulados face a um público, que em geral é mal informado (o novo moralista faz por isso). O novo moralista é um oportunista. Tem aversão ao mercado, mas sabe que a renúncia completa ao mercado não atrairia muitas pessoas. Afinal, estamos presos à economia de mercado, e quase tudo o que podemos fazer deve-se a esta teia complexa de interacções. Por isso, o novo moralista fala dos excessos do mercado, do mercado pouco regulado, que devia ser mais controlado.

Podia fazer-se aqui uma nova analogia com o antigo moralista. Este, reclamava ter a solução para os problemas que antes tinha feito crer existirem. Da mesma forma, o novo moralista anuncia ter a solução para os problemas que vem anunciando (uns reais, outros ilusórios). Contudo, as soluções do novo moralista mostraram já muitas vezes que podem ser completamente ruinosas. Daí, o novo moralista opta muita vezes por não apresentar quaisquer propostas relevantes, acenando apenas com algumas bandeiras morais (é fácil ver aqui relações com o programa eleitoral do BE).

O oportunismo do novo moralista é evidente. É o defensor de todas as novas causas, desde que estas mostrem que têm vindo a ganhar aceitação popular, como o aborto ou a ecologia. O que a realidade mostra é que o aproveitamento pelo novo moralista destas e de outras causas é prejudicial para as próprias causas em si. O novo moralista não tem real interesse de resolver os problemas, mas apenas usar os problemas como forma de fazer propaganda de si próprio.

A ruína do antigo moralista deveu-se em parte pela rigidez da sua actuação. O novo moralista, felizmente, não se prevê conseguir ter o poder quase absoluto do antigo moralista. Contudo, a flexibilidade da sua actuação é impressionante (veja-se como num ápice eram contra a globalização e logo de seguida já queriam fazer a alter-globalização), o que pode significar que estarão cá por muito tempo e a sua influência será grande. É bem possível que daqui a alguns anos defendam causas bem diferentes, quem sabe até opostas às actuais em alguns pontos.

Não sei se este novo moralista é melhor ou pior do que o antigo. Penso que são os novos propagadores do obscurantismo e aqueles que mais fazem para limitar a liberdade de todos nós. Apreciando eu a liberdade, não faço mais do que descrever aquilo que me parece ser a realidade (mas sei que as melhores descrições da realidade são pálidas imagens). Mesmo se tivesse uma varinha mágica, não iria impedir o novo moralista de se exprimir e de difundir as suas ideias, que me parecem profundamente erradas, e terem atingido quase um estatuto de dogmas. Contudo, não deixo de escrever estas coisas, mesmo sabendo que só serão lidas por meia dúzia de pessoas e sua influência será quase nula. As ideias verdadeiras têm infinitas possibilidades de serem descobertas ao longo dos tempos. As erradas, têm menos hipóteses e só conseguem subsistir se tiverem quem lhes dê vida.

MC

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sábado, março 12, 2005

O novo moralista (4)


O novo moralista ainda não foi desmascarado face à generalidade da opinião pública. Em grupos restritos, e aí os blogs são um bom exemplo, todos os pontos exprimidos pelo novo moralista já foram analisados e a fraqueza dos seus argumentos, quando não falsidade, exposta. Tentarei dar aqui um pequeno resumo, que não será demonstrativo. Quem quiser saber mais não terá dificuldade em encontrar mais informações sobre o assunto à distância um clicar de um dedo no rato (ou vários...).

Começo pelos chamados problemas apontados pelos novos moralistas. Tal como os moralistas de antanho, alguns problemas que apontam são reais, outros não. Para mim, são graves problemas a pobreza e a não equanimidade de oportunidades. Contudo, as tão faladas desigualdades sociais, por si só, não me parecem ser um problema. A fórmula tantas vezes repisada dos “ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres”, dá a entender que os ricos só ficam ricos por explorarem os pobres. Quando isto assim acontece, é de facto revoltante. Contudo, onde estão as provas que isso é assim? Não haverá outras formas de enriquecer? Não se está a querer fazer de situações excepcionais a regra? A hipocrisia do novo moralista também se vê por, nos países que seguem ideologias que mais lhe agradam, acaba-se por cair em sistemas de servidão.

O corolário desta afirmação é que os pobres só são pobres porque são explorados pelos ricos. Contudo, não é difícil perceber que os mais pobres de todos não são explorados por ninguém. A tal exploração, que por vezes roça o trabalho escravo (é preciso admitir), mesmo assim conduz a um incremento da qualidade de vida sem paralelo, e é por isso que não há falta de trabalhadores nos países em vias de desenvolvimento para esta “escravidão”. Mas não haverá outras razões para a pobreza? Não contribuirão factores como fracas instituições, corrupção, falta de qualificações profissionais, lutas fratricidas, doenças tropicais, difíceis condições climatéricas, proteccionismo de países desenvolvidos?

O novo moralista não hesita em afirmar que a tal “exploração do homem pelo homem” é uma característica inerente ao sistema. Acusa, portanto, o capitalismo selvagem, a economia de mercado e as soluções neo-liberais. O novo moralista tornou palavras como capitalismo e neo-liberal em adjectivos, naturalmente insultuosos. É semelhante ao felatio e ao cunnilingus que o antigo moralista considerava aberrantes.

O novo moralista faz fé que a generalidade das pessoas nunca vá tentar descobrir o que são estas coisas, porque supõe (e talvez tenha razão) que basta repetir tantas vezes que são coisas más que as pessoas, por repulsa, nem irão querer saber mais. Por isso, o novo moralista diz que o capitalismo é mau porque causa pobreza, desigualdades sociais, etc. mas nunca explica como isso acontece, nem cita nunca autores liberais, nem tenta rebater os seus argumentos. Na verdade, a discussão de ideias não lhes interessa, apenas a demonização sumária.

(Cont.)

MC

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sexta-feira, março 11, 2005

O novo moralista (3)


Há uns anos atrás era frequente a alusão à crise de valores. De certa forma, estava isto relacionado com o descrédito em que tinha caído o antigo moralista, que referi nos posts anteriores. Em várias partes do mundo, este moralista havia décadas que já não era rei e senhor. Os portugueses não tiveram, na sua globalidade, tempo para maturarem e procurarem novos valores por si mesmos. A nossa “crise” de valores foi de curta duração, porque em poucos anos o novo moralista conseguiu impor-se.

Tal como tinha aludido para o antigo moralista, o novo moralista é um hipócrita que usa também a verdade como muleta. Tinha também referido que, no presente, o plano focal já não era a intimidade mas o nível social (ambos os planos podem fazer parte da imagem, mas há sempre um mais focado que o outro). O novo moralista passou a ter ideais sociais, dá de barato que a liberdade individual de cada um é intocável. Contudo, esta separação de liberdades é ilusória, como se pode mostrar. Restringir uma é apagar a outra. Anteriormente, a restrição das liberdades individuais teve profundas consequências ao nível social.

Mas fazendo a focalização do assunto, as virtudes do novo moralista defendem aquilo que genericamente se chama solidariedade social. O moralista alerta para os problemas reais, há pobres, há pessoas que passam grandes privações, há pessoas que pelo nascimento ficam condenadas a uma vida medíocre. A ilusão do novo moralista é que tem as resposta para tudo. Ele sabe quem são os culpados e ele sabe quais são as soluções. O moralista culpa o mercado, os capitalistas, a ganância. O novo moralista anuncia o paraíso com soluções distributivas, com o controlo estatal.

Os paralelos do antigo moralista com o novo moralista são bastantes para não serem reveladores de terem muito em comum.

(Cont.)

MC

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quinta-feira, março 10, 2005

Boas notícias


O jornal Domingo Liberal acabou. Assim vou poder colocar as minhas leituras em dia e ler todos os artigos que ia deixando acumular a cada semana.

MC

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O novo moralista (2)


O novo moralista defende agora o estado social, a diminuição das diferenças entre os ricos e os pobres. Os papões agora não são as antigas tentações do demónio. Anteriormente, o moralista visava em grande parte controlar a própria intimidade das pessoas, das suas ambições, da sua sexualidade. Agora, o moralista tenta controlar a liberdade social do indivíduo. Por isso, as virtudes que se passaram a apregoar são sociais e os papões também. As novas tentações do demónio são o consumismo, o capitalismo selvagem e o neo-liberalismo.

A táctica do moralista, independentemente da época, é utilizar o medo, a promoção da ignorância, da inveja mesquinha, da ilusão. Para ele, todas as fumaças têm um fogo terrível por trás, nem que para isso tenha que ser ele a atear o fogo. O moralista não é um hipócrita que mente de forma errática. O moralista é um hipócrita que mente sempre com alguma verdade auxiliar.

O moralista de antanho aludia aos perigos, reais, do que pode acontecer quando os costumes íntimos são demasiado desequilibrados. Vidas degradantes, que se podem propagar aos filhos inocentes, marginalização, criminalidade. São perigos reais, aos quais o moralista se socorria para propalar a sua doutrina. A ilusão que o moralista dava era ter ele a solução para estes problemas. Nas sociedades modernas, este moralista já foi desmascarado de várias formas. Sabemos nós que muitos moralistas estavam longe de cumprirem as virtudes de quem eram arautos. Sabemos também que muitas das soluções que eram impostas eram mais um ajuntar de lenha à fogueira, agravavam o problema ao invés de o resolver. Mas também, criou-se nas sociedades modernas um novo valor, o da liberdade individual, e a opinião geral é que ninguém tem que se meter na vida privada dos outros.

Por tudo isto, o antigo moralista, e ainda há muitos deste género, não é respeitado pelas novas gerações, nem sequer temido. O novo moralista é ignorado, repudiado ou motivo de chacota para a juventude. E não só. Pessoas mais velhas, que antes chegaram a temer este tipo de moralista, agora também começam a desprezá-lo. Contudo, o novo moralista está cá para o substituir.

(Cont.)

MC

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quarta-feira, março 09, 2005

O novo moralista (1)


Não vou dizer nada de novo, para começar. Já muitos afirmaram que o aumento da despesa pública é como uma droga. Quanto maior a dose, maior a necessidade. Não me surpreende que este tipo de argumentos, apesar de óbvios, colha pouco junto da opinião pública. Porque cada indivíduo tem a tendência de pensar só em si e não quer abdicar de nada, até porque sabe que o seu esforço isolado (e é impossível fazer-lhe crer que todos irão fazer um esforço idêntico) de nada serve.

Contudo, nem todos têm esta tendência ambígua de concordar na teoria mas nem querem ouvir falar da prática. Alguns, e são bem fáceis de encontrar em blogs e fóruns, advogam mesmo que devemos aprofundar o vício da despesa pública. Todas as soluções que visem resolver o problema são logo rechaçadas com argumentos que diria serem, sobretudo, morais.

Estes novos moralistas aproveitaram o testemunho perdido pelos velhos inimigos. Esse inimigo era uma direita retrógrada, conservadora até ao absurdo, aliada a uma igreja hipócrita que se arrogava de altos pergaminhos morais, lançando anátemas por tudo e por nada, controlando assim, pelo medo, ignorância, censura e mesmo coerção física, a vida de milhões de pessoas. O salazarismo, esse socialismo cristão que nos fez navegar por águas mortas durante décadas, caracterizou-se pela coerção moral.

Foi esse testemunho que recuperaram os socialistas de todos os partidos portugueses, em especial os que adoptaram soluções keynesianas, trotskistas e marxistas. A ilusão da sua moral ser diferente da moral salazarista é a ilusão de que a essência das coisas se muda por uma reformulação da linguagem e não do conteúdo. A linguagem mudou, os papões são outros. Agora não se quer proteger a moral e os bons costumes. As novas heresias não são decalcadas dos pecados mortais cristãos.

(cont.)

MC

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segunda-feira, março 07, 2005

O futuro da nação


Fiquei a saber este fim-de-semana que a minha afilhada, que frequenta o ensino básico, já terminou os seus cadernos de português e matemática, quando ainda está apenas a meio do ano lectivo. Não é a única, mais dois ou três da sua classe estão na mesma situação. Imagino que isto seja uma forma de “melhorar” o ensino, tornando-o mais fácil. Absurdamente mais fácil. Ao mesmo tempo, promove-se a igualdade de oportunidades, fazendo com que todos andem na passada do mais lento.

Para combater as desigualdades, institui-se um regime em que os melhores não podem ser eles mesmos e têm que ser algo inferior às possibilidades que demonstram. Combate-se a discriminação, discriminando os melhores. Políticos falam na TV sobre o rigor, a inovação, de fazer melhor, de excelência, de nos juntarmos aos melhores. Quando a minha afilhada me perguntar o que querem dizer estas coisas, vai ser difícil explicar-lhe face aos exemplos que lhe dão na escola.

MC

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Novos ventos


Nestes dias, muitos blogs comentam os nomes do novo elenco governativo. Não o posso fazer, não conheço as novas personagens e as antigas, do tempo de Guterres, eram do tempo de outras consciências minhas mais revoltas.

Há pessoas que perdem a ingenuidade à medida que envelhecem. Comigo, em determinados aspectos, foi o contrário. Em adolescente era mais desconfiado e não acreditava muito em políticos. Agora sou mais ingénuo, acredito mais nos políticos, apesar de forma moderada. Leva-me isto a ter alguma fé que o novo governo faça boas opções. Contudo, tenho já para mim uma série de medidas que considero urgentes e fundamentais a serem tomadas. E posso ser ingénuo mas vou estar atento.

MC

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sexta-feira, março 04, 2005

Público e privado


Há uma curiosa forma de pensar em relação às liberdades públicas e privadas. Não vou dizer que se trata de um problema exclusivo português, talvez até seja uma condição herdada da nossa evolução em “matilha” durante milhões de anos. Tentando clarificar, estou a pensar à pouca importância dada às liberdades individuais e à total libertinagem dos executores públicos, que passa incólume.

Os exemplos são vários. Deparo com frequência, mesmo em muitas pessoas instruídas, com um extremo autoritarismo em questões que deviam ser apenas do foro privado. Por elas, acabava-se por decreto um determinado número de coisas. Muitas vezes, o critério é apenas do género “Não gosto”, “Irrita-me”, “É para idiotas”, e face a isto, proibiriam, se pudessem, programas de televisão mesmo em estações privadas, venda de certos livros e toda uma série de direitos de reunião, culto, entre outros. Para elas, a liberdade é uma coisa má. E pensar que isto são apenas achaques de partidários do Estado Novo, está longe de ser verdade. Muitos esquerdistas revolucionários deixam escapar, amiúde, desabafos do género: “Não fizermos a revolução para se chegar a estas poucas vergonhas.”

O que é inconcebível neste tipo de atitudes é a pretensa arrogância existencial, de pensar saber o que é melhor em termos morais e estéticos, a ponto de poder impor esses valores a todos os outros. Paradoxalmente, há todo um outro tipo de hábitos e práticas que denominaria públicas, sobre as quais a passividade é enorme. Entendo aqui as actividades que possam limitar a liberdade de terceiros e, de forma mais grave, aquelas que envolvam a utilização de dinheiros públicos. Por muitas “bocas” que se digam, somos bastante passivos com coisas do género: Condução perigosa, excesso de álcool em actividades de risco, ruído de vizinhança, fuga aos impostos, má gestão de autarquias, cunhas, etc. Por alguma razão, damos mais importância se o nosso vizinho pertence tiver uma religião “estranha” ou vestir de forma que não nos agrada, mesmo que ele nunca nos tenha incomodado.

MC

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quinta-feira, março 03, 2005

A ilusão da estabilidade (3)


E chegamos a Sócrates e ao PS. Vendida a ilusão da estabilidade, haverá outra solução que não desmentir isso aos poucos? Nos últimos anos multiplicaram-se os estudos sobre o peso do Estado e como isso pode colocar o país na ruína. Tem isso sido também tema para vários artigos em jornais de referência e naturalmente também nos blogs.

Mas quem, na prática, está disposto em abrir mão? Serão as centenas de milhar de trabalhadores que vivem à custa o erário público? Serão os aparelhos partidários de PS e PSD que anseiam pelas colocações naqueles locais dourados? Serão os sindicatos que se divertem por saberem do seu poder de bloqueio? Serão aqueles grupos de empresários que respiram subsídios e vestem o casaco do proteccionismo do Estado?

Ninguém mostra disposição em abrir mão. Junte-se a isso ainda que constituição é contra o abrir mão, e temos uma turba de intelectuais que não se cansam de divagar em favor do imobilismo e da superioridade moral do niilismo. Para sacudir a água do capote, há uma procura mesquinha de bodes expiatórios, do género de fazer crer que tudo seria melhor de os deputados não ganhassem tanto e tivessem reformas menores. Costumava dizer-se que os artistas só eram profundos se fossem muito infelizes, agora pouco falta para dizer que os políticos só serão capazes se viverem num T0 sem aquecimento central.

Tenho lido de forma repetida que é uma questão de exemplo, de moralidade. Quando os portugueses passam dificuldades, não podem os políticos gastar de forma despudorada. Mas os portugueses acham que os políticos são exemplos para alguma coisa? Acho que estas questões seriam interessantes se estivéssemos numa situação desafogada, mas agora o essencial é estancar a hemorragia, e não estar preocupado com as rugas na testa. Por muito que se diga que os políticos são todos iguais e só querem roubar, sabemos que não é assim (exceptuando as autarquias...).

E aqui volto a centrar-me em Sócrates e no PS. Tentará este governo estancar a hemorragia ou disfarçar as rugas? Penso que mesmo que Sócrates queira estancar a hemorragia, não tenha muita margem de manobra para o fazer. Se continuarmos com uma degradação suave, ninguém se importará muito, nem verá razões para abrir mão. Até pode acontecer o contrário, à medida que a escassez se fará sentir, a tendência para apertar bem a mão pode subir.

Talvez a solução venha do exterior, sermos abalados. Imagino que se a China explodir mais cedo do que se julga, assim como outras potências emergentes, os portugueses, bem como toda a Europa, sintam um choque maior e se sintam motivados a mexerem-se. Mas mesmo se conseguirmos reagir a tempo, não é muito reconfortante saber que apenas ajustamos a agulha por desespero de causa.

MC

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quarta-feira, março 02, 2005

A ilusão da estabilidade (2)


Sócrates não saiu vencedor das eleições apenas por a coligação as ter perdido. Sabemos que o demérito é essencial, tem sido assim. Guterres ganhou assim, Durão Barroso também. Mas o demérito não justifica todos os votos e, em especial nestas eleições, não justifica a baixa significativa da abstenção. Sócrates teve a maioria absoluta por voltar a dar a ilusão da estabilidade.

Durão Barroso surpreendeu-me inicialmente pela positiva. Avançaram com várias medidas, sem mostrarem receio da contestação. Mas aos poucos, as propostas foram-se suavizando, ficando pelo caminho ou adiadas para um futuro incerto. As razões para isso serão muitas, seguramente. Durão (José Barroso) apenas conseguiu ter ao seu lado um elenco de segundas figuras, por outro lado, as dificuldades de efectuar mudanças são bem conhecidas (partidos, sindicatos, grupos de pressão, constituição, PR, comunicação social, etc.). Durão chegou a dizer que não tinha medo de perder eleições, mas então, se era assim, porque não foi mais firme no que queria fazer?

Os últimos meses com Santana Lopes foram paradoxais. Por uma lado, as infantilidades sucederam-se. Começaram com o Presidente da República, cuja actuação deu azo a que toda a oposição (que se lhe juntaram a comunicação social e parte do PSD) fizesse uma contínua campanha de derrube do odiado Santana. Mas o executivo deste avaliou mal o tamanho das próprias pernas, e pensou ter estofo para aguentar com tudo e com todos. E manteve-se envolvido em constantes guerrinhas, que apenas os fragilizavam cada vez mais face ao eleitorado. Sampaio mostrou os seus dotes no xadrez, e demitiu o governo (a maioria na assembleia que o apoiava) no momento ideal.

O paradoxo acontece porque o executivo de Santana era incomparavelmente melhor que o de Durão Barroso. E também porque mostrava uma energia renovada para avançar com novas medidas de coragem (apesar de pensadas de forma algod efeituosa). Mas era tarde demais, a vitória já tinha sido dada ao PS.

MC

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terça-feira, março 01, 2005

A ilusão da estabilidade (1)


Nas eleições de 20 de fevereiro os portugueses aparentemente rejeitaram a possibilidade de reformas liberais. Os portugueses têm vindo a ganhar a ilusão da estabilidade. Recorde-se que Salazar subiu ao poder precisamente por ter dado estabilidade ao país, e essa estabilidade manteve-se durante quase 50 anos. Mas era uma estabilidade num ponto baixo, insustentável face aos exemplos do mundo exterior e, claro, face aos naturais anseios de liberdade.

Com o período que se iniciou com o 25 de abril de 74, aparentemente, deu-se um corte na estabilidade. Contudo, uns anos depois, voltou-se à mesma estabilidade, caracterizada por um estado forte. A riqueza aparente cresceu bastante. A família típica portuguesa que há 30 anos não tinha carro, não passava férias no exterior e tinha hábitos frugais, hoje luta contra a obesidade, frequenta ginásios e clínicas particulares, tem 2 ou 3 carros, casa própria, e habituou-se a viajar, por vezes para o estrangeiro. E sabe que tem um emprego seguro...

Por muito que nos queixemos, adoramos esta estabilidade que pensamos conseguir associar à progressiva riqueza. Por isso, é natural que os portugueses nem queiram ouvir falar em reformas liberais, que não prometem estabilidade alguma. Ainda por cima, tão mal explicadas que são essas reformas e tão diabolizadas que elas são um pouco por todos.

Mas a riqueza que temos tem muito de ilusório. Começa logo por não estar paga. Carros e casas foram comprados pensando num estabilidade eterna. Os portugueses investiram o que não tinham em conforto e na imagem. Não é preciso ser um génio para perceber que daqui resultam duas consequências óbvias. Quem investe o que não tem, mais tarde ou mais cedo vai ter que pagar a quem lhe emprestou o dinheiro. E uma vez que o investimento não foi produtivo, não vai ter com que pagar.

MC

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